sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

O Ocidente reescreve o passado

por Manlio Dinucci


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1984

“Massacre de Berlim, por que o terrorista deixou seus documentos” – pergunta o “Corriere della Sera”, falando de “esquisitices”. Para obter a resposta basta dar uma olhada no passado recente, mas disso não há mais memória. Foi reescrita pelo “Ministério da Verdade” que – imaginado por George Orwell no seu romance de ficção política “1984”, crítico do “totalitarismo stalinista” – tornou-se realidade nas “democracias ocidentais”.

Assim, foi eliminada a história documentada dos últimos anos. A história da guerra dos EUA e da Otan contra a Líbia, decidida – o que está provado nos emails de Hillary Clinton – para bloquear o plano de Kadafi de criar uma moeda africana em alternativa ao dólar e ao franco CFA [1]. Guerra iniciada com uma operação secreta autorizada pelo presidente Obama, financiando e armando grupos islâmicos antes classificados como terroristas, entre os quais os núcleos do futuro Isis (o chamado Estado Islâmico na sigla em inglês). Depois abastecidos de armas através de uma rede da CIA (documentada pelo “New York Times” em março de 2013 [2]) quando, depois de ter contribuído para derrubar Kadafi, passaram em 2011 à Síria para derrubar Assad e em seguida atacar o Iraque (no momento em que o governo de Al-Maliki se distanciava do Ocidente, aproximando-se de Pequim e Moscou [3]).

Foi eliminado o documento da agência de inteligência do Pentágono (datado de 12 de agosto de 2012, desclassificado em 18 de maio de 2015 [4]), no qual se afirma que “os países ocidentais, os Estados do Golfo e a Turquia apoiam na Síria as forças que tentam controlar as áreas orientais” e, com tal escopo, existe “a possibilidade de estabelecer um principado salafita na Síria oriental”.

Foi eliminada a documentação fotográfica do senador estadunidense John McCain que, em missão na Síria por conta da Casa Branca, se encontra em maio de 2013 com Ibrahim al-Badri, o “califa” à frente do Isis [5].

Ao mesmo tempo, inspirando-se na “novilíngua” orwelliana, adapta-se caso a caso a linguagem política-midiática: os terroristas são definidos como tal somente quando aterrorizam a opinião pública ocidental para que esta apoie a estratégia dos EUA/Otan, mas são chamados de “opositores” ou “rebeldes” quando provocam massacres de civis na Síria.

Usando a “novilíngua” das imagens, esconde-se durante anos a dramática condição da população de Alepo, ocupada pelas formações terroristas apoiadas pelo Ocidente, mas, quando as forças sírias apoiadas pela Rússia começam a libertar a cidade, mostra-se diariamente “o martírio de Alepo”.
Porém, esconde-se a captura por parte das forças governamentais, em 16 de dezembro, de um comando da “Coalizão pela Síria” — formado por 14 oficiais dos Estados Unidos, Israel, Arábia Saudita, Catar, Turquia, Jordânia, Marrocos — que, a partir de um bunker no Leste de Alepo, coordenava os terroristas de Al Nusra e outros [6].

Com esse pano de fundo se pode responder à pergunta do “Corriere della Sera”: como já tinha ocorrido no massacre de “Charlie Hebdo” e em outros, os terroristas esquecem ou deixam voluntariamente um documento de identidade para logo ser identificado e assassinado.

Em Berlim, foram verificadas outras “esquisitices”: invadindo o caminhão logo depois do massacre, a polícia e os serviços secretos não se aperceberam de que sob o banco do motorista estavam a carteira de identidade do tunisiano e muitas fotos. Mas prendem um paquistanês, que depois de um dia é solto por insuficiência de provas. Nesse momento, um agente particularmente especializado vai olhar debaixo do banco do motorista e descobre o documento de identidade do terrorista. Interceptado por acaso em plena noite e assassinado por uma patrulha na estação de trem de Sesto San Giovanni (Milão), a um quilômetro de onde tinha partido o caminhão polonês usado parao massacre.

Tudo documentado pelo “Ministério da Verdade”.
Tradução
José Reinaldo Carvalho
Editor do site Resistência


[1] “A recolonização da Líbia”, Manlio Dinucci, Tradução Choldraboldra, Il Manifesto (Itália) , Rede Voltaire, 14 de Março de 2016.
[2] «Arms Airlift to Syria Rebels Expands, With Aid From C.I.A.», C. J. Chivers & Eric Schmitt, “Syrian Rebels Hit Central Damascus Square With Mortar Shells”, Anne Barnard, The New York Times, 24 & 25 mars 2013.
[3] “Jihadismo e indústria petrolífera”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Al-Watan (Síria) , Rede Voltaire, 23 de Junho de 2014.
[4] “DIA Report on Syrian Jihadists”.
[5] “John McCain, chefe de orquestra da «primavera árabe», e o Califa”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 18 de Agosto de 2014.
[6] “O Conselho de Segurança reúne-se à porta fechada após a prisão de oficiais da OTAN em Alepo”, “Detenção de jiadistas e de oficiais estrangeiros em Alepo-Leste”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 17 & 22 de Dezembro de 2016.

aqui:http://www.voltairenet.org/article194727.html

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

«Cidadão Snowden»

por António Abreu

Apesar de refugiados, de serem tratados como traidores pelos falcões que dirigem o Big Brother, a acção de Edward Snowden, de Julian Assange e da WikiLeaks tem sido de grande importância contra esta vigilância massiva que recorre a novas e caras tecnologias para manter controlados países, governos e povos.
Créditos / Agência Lusa
A RTP transmitiu, no passado dia 5, a terceira parte do documentário «CITIZENFOUR» («Cidadão Snowden»), premiado com o Óscar de melhor documentário, cuja história começou em Janeiro de 2013, quando estando a realizadora Laura Poitras a fazer um filme sobre abusos de segurança nacional no pós-11 de Setembro nos Estados Unidos, começou a receber e-mails encriptados de alguém que se identificava como «CITIZENFOUR», que se dizia pronto a denunciar os programas de vigilância massiva dirigidos pela NSA (National Security Agency) e outras agências secretas.

Em menos de seis meses, depois de Snowden ter saído dos EUA para Hong Kong, e depois da administração norte-americana ter pedido a sua extradição sem êxito, Laura Poitras e o jornalista Glenn Greenwald, a quem Snowden confiou todos os elementos de que dispunha, trabalharam com ele meses a fio num documentário que viria a ganhar o Óscar no ano passado.

Snowden passou a Glenn e a Laura informações confidenciais da poderosa e tentacular NSA e de outras agências de inteligência, desmascarando práticas secretas de espionagem digital a milhares de cidadãos dos EUA e do mundo. Num trabalho coordenado por Glenn e pelo «The Guardian» a denúncia veio a público, provocando grande indignação e polémica. E Laura documentou em vídeo os múltiplos encontros entre Glenn e Snowden num quarto de hotel em Hong Kong, apresentando um documentário baseado neles o resultado em 2014.

Ao revelar-se há três anos ao mundo, Snowden afirmou:
«O meu nome é Ed Snowden. Há pouco mais de um mês, eu tinha família, um lar no paraíso, e vivia com grande conforto. Tinha também meios para, sem qualquer ordem judicial, procurar, avaliar e ler as comunicações de todos vós, comunicações de qualquer pessoa, a qualquer momento. E o poder para mudar o destino das pessoas.

Isso é também uma grave violação da lei. A 4.ª e 5.ª Emendas da Constituição do meu país, o artigo 12.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e inúmeros estatutos e tratados proíbem tais sistemas de vigilância pervasiva massiva. Enquanto a Constituição dos EUA define estes programas como ilegais, o meu governo argumenta que decisões tomadas por tribunais secretos, que o mundo não tem permissão para ver, legitimam, de algum modo, aquele procedimento ilegal. Essas decisões de tribunais secretos corrompem, simplesmente, as noções mais básicas da Justiça – que a Justiça, para ser feita, tem de trabalhar às claras. O imoral não pode ser transformado em moral por força de lei secreta.

Acredito no princípio declarado em Nuremberga em 1945: "Os indivíduos têm deveres internacionais que transcendem as obrigações nacionais de obediência". Portanto, cidadãos, indivíduos, têm o dever de violar leis domésticas para impedir que se cometam crimes contra a paz e a humanidade». (…).
Apesar de refugiados, de serem tratados como traidores pelos falcões que dirigem o Big Brother, a acção de Edward Snowden, de Julian Assange e da WikiLeaks tem sido de grande importância contra esta vigilância massiva que recorre a novas e caras tecnologias para manter controlados países, governos e povos.

O «The Guardian» foi o primeiro jornal a divulgar os documentos. Outros jornais de vários países do mundo seguiram-lhe o exemplo e foram divulgando, sistematicamente, a vigilância que devassa a vida de todos os cidadãos, os transforma em alvos de pressão política, chantagem e assassinato sem precedentes, atingindo também os próprios países e governos aliados dos EUA.

Edward Joseph Snowden, na altura com 30 anos, era analista de sistemas e administrador de sistemas da CIA e contratado da NSA. Vive, asilado em Moscovo há três anos, tal como o australiano Julian Assange, um dos responsáveis da WikiLeaks, jornalista e cibernauta, vive asilado há quatro anos, na Embaixada do Equador em Londres.

A actualização de dados que vão sendo extraídos da documentação em bruto e outras questões relacionadas podem encontrar-se: no «The Intercept», na Courage Foundation e no «The Guardian».

O já chamado «Arquivo de Snowden» inclui uma grande diversidade de documentos, com relevo para programas de monitorização e comunicações internas e pertencem essencialmente à NSA mas incluem também actividades de outros serviços secretos das mesmas áreas como o Government Communications Headquarters (GCHQ), britânico.

Aliás estas duas agências trabalham partilhando informações, o que permitiu a Snowden ter acesso a elas. Mas trabalham também em associação com as agências homólogas da Austrália, Nova Zelândia e Canadá (algumas das mais poderosas do planeta, conhecidas como os Five-eyes ou Cinco-olhos…), o que lhes permite ter uma visão muito ampliada das actividades de informação electrónicas.

São múltiplos os exemplos da natureza maciça desta monitorização. Por exemplo:
• A NSA recolhe 200 milhões de mensagens de texto e imagens por dia em todo o mundo;
• O GCHQ intercepta chats de vídeo de 1,8 milhões dos utentes da Yahoo!;
• A NSA é capaz de chegar a todos os lugares de um único país;
• O GCHQ intercepta quantidades astronómicas de dados nos diversos cabos submarinos que chegam à Grã-Bretanha, sendo mesmo capaz de manter uma cópia completa dos dados por três dias.

A lógica de funcionamento da captação de dados é recolher tudo em cada vez mais suportes num «palheiro» cada vez maior para depois selecionar a «agulha», tendo um dos cérebros do GCHQ já sugerido que se captasse tudo na Internet…Há agências e empresas a transbordar desta informação mas é assim mesmo que trabalham.

Depois das revelações de Snowden, a NSA e o GCHQ desenvolveram um sistema e processo de industrialização e automatização de infeção de milhões de computadores, que a NSA é capaz de inserir para modificar programas espiões em routers americanos, dispositivos que permitem fazer transitar uma grande quantidade de comunicações através da Internet, antes de a disponibilizar.

Com a passagem do tempo, a «porosidade» entre estes serviços secretos e empresas como a Microsoft, o Facebook, o Google, empresas de telecomunicações terrestres e marítimas foi sendo revelada, quer porque os primeiros o davam a entender quer porque as segundas, em jeito envergonhado reconheceram «acordos» entre as duas partes. O «Washington Post» revelou depois a pirataria da NSA em relação ao Google e à Yahoo!

Mas esta «porosidade» permite que a NSA exerça a sua pesada influência para enfraquecer certos padrões de encriptação dos dados, tornando potencialmente mais fácil a leitura de dados supostamente protegidos e debilitando a segurança de todos os utilizadores da Internet.
As revelações de Snowden permitiram também verificar que há governos de países como a Alemanha que prescindem de parte da sua soberania ao permitirem o acesso a dados recolhidos no seu território ou acesso a dados interceptados pelos próprios

Outra faceta da actividade da NSA e GCHQ foi agora revelada pelo «Le Monde» que tem um acordo com «The Intercept». Supostamente a grande maioria da actividade destes serviços secretos deveria estar centrada no tráfico de armas, de drogas e de seres humanos ou na recolha de dados sobre grupos terroristas… Mas parece que não. A maioria das operações tem como alvos operadores de telecomunicações, quadros dirigentes destas e as suas actividades profissionais.

Também na investigação sobre o GCHQ no «Arquivo Snowden» o jornal francês encontrou relatórios de ensaio sobre links de satélite que transportam tráfego de internet e telefone. Na Primavera de 2009, a agência interceptou comunicações internas de duas operadoras muito activos no Médio Oriente e em África.

A «rede Zain», criada pelo GCHQ, está muito presente em África e ainda operava, à data da divulgação do «arquivo», em 2013, em quinze países, do Burkina Faso ao Níger passando pelo Uganda e pelo Chade, procedendo à vigilância de chefes de estado de vários países, incluindo José Eduardo dos Santos.

Snowden e Assange foram vítimas de perseguição, de ameaças de morte, de mentiras, estão limitados nos pequenos espaços que a solidariedade da Rússia e do Equador lhes concederam, perderam a vida familiar e o direito ao bem-estar. Tiveram uma atitude corajosa para o bem da humanidade, ao contribuírem para que, nestes três anos, os povos de todo o mundo pudessem ter algum acesso ao conhecimento sobre o controlo total que o imperialismo procura ter sobre eles.

aqui:http://www.abrilabril.pt/cidadao-snowden

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Golpe de Estado em lume brando

por José Goulão

O fracassado referendo constitucional em Itália foi o primeiro episódio que contrariou os intentos de golpe de Estado em lume brando que há muito se vêm desenvolvendo no país, com maior intensidade a partir do final dos anos oitenta do século passado, mais exactamente desde a tão celebrada queda do muro de Berlim.

Matteo Renzi
Matteo RenziCréditos / Agência Lusa

Um desejo de golpe caracterizado por episódios dramáticos de extrema violência, entre os quais vou destacar apenas, para não me alongar, a chamada «estratégia de tensão», sucessão de actos terroristas nos anos setenta e oitenta executados por grupos «vermelhos» ou «negros», conforme calhava, e que tiveram por trás sectores dos serviços secretos nacionais e internacionais, bem como militares ligados a estruturas conspirativas e clandestinas da NATO; e o repugnante assassínio de Aldo Moro, carismático dirigente humanista da Democracia Cristã.

É um processo de golpe extenso no tempo e que, na fase mais recente, visa implantar um sistema bipartidário com um mínimo de peias políticas, «à americana», com um «centro-esquerda» e uma direita alternando no governo – ou até aliados – para cumprirem os mesmos objectivos políticos, económicos e financeiros da ditadura neoliberal de fachada democrática.

Na fase actual do golpe trata-se de «agilizar» as instituições, de modo a criarem governos rápidos, estáveis e expeditos, suprimindo o debate e os «inconvenientes» levantados pelo pluralismo de ideias que se expressa através do universo dos partidos políticos, seja qual for a dimensão de cada um.

Para tal, o agente de turno na condução da estratégia de golpe, Matteo Renzi, pretende impor a nova lei eleitoral, onde a força vencedora tem direito automático a maioria parlamentar absoluta, seja qual for a sua percentagem – através de um sistema de bónus de deputados –, e uma nova articulação das câmaras parlamentares, juntamente com a concentração dos poderes em Roma, retirados aos órgãos regionais e locais.

É na figura de Matteo Renzi e na estrutura do seu Partido Democrático que encontramos as raízes mais profundas da fase actual do golpe, lançadas em finais dos anos oitenta. Nessa altura, na ressaca do desmoronamento do muro berlinense, da União Soviética e do Tratado de Varsóvia, o cenário político italiano entrou numa convulsão que se caracterizou pela eliminação do Partido Comunista Italiano (PCI), o maior da Europa Ocidental, e do Partido Socialista, substituídos por uma criatura designada Partido Democrático, incarnando aquilo a que pode chamar-se a «terceira via blairista», isto é, a vertente pretensamente de «centro-esquerda» ou «social-democrata» das facções políticas neoliberais de que Renzi, Hollande e a sua corte são os expoentes de hoje.

Sempre se disse, tanto no auge da «estratégia de tensão» como no aproveitamento desestabilizador dos grupos ditos «maoístas» e de «extrema-esquerda» – de que as Brigadas Vermelhas foram o exemplo mais nocivo e sangrento – que a CIA tinha em Itália a sua principal plataforma na Europa, por razões geoestratégicas mas também para agir de perto contra o PCI.

Na verdade, a emergência do Partido Democrático traduziu o êxito absoluto da guerra contra os comunistas italianos, através da liquidação do seu partido, pelo que se pode afirmar, sem qualquer dúvida, que se a criação de tal entidade não foi obra da central de conspiração norte-americana, o resultado obtido é perfeitamente a seu contento.

Importa recordar que a transfiguração política italiana não se ficou pela esquerda. À direita, também a velha Democracia Cristã foi desmantelada e dividida em grupúsculos, castigo por ter um dia caído no erro histórico de ousar admitir uma maioria de governo com apoio parlamentar dos comunistas – atitude tacitamente proibida pela NATO e por Washington e que, em boa verdade, custou a vida a Aldo Moro.

Da recomposição à direita saíram grupos às ordens de Berlusconi e, no presente, algumas expressões do populismo pós-mussoliniano. E enquanto se ouvem lamentos, uivos e ranger de dentes por causa do papel da extrema-direita na derrota do referendo de Renzi é oportuno lembrar que a eliminação da esquerda consequente e o liberalismo caótico e austeritário da União Europeia escancararam as portas para a plena afirmação do neofascismo italiano nas suas vertentes diversas, incluindo a berlusconiana.

A União Europeia não tem de que se queixar: colhe hoje, através da sua inevitável derrapagem para o abismo, aquilo que foi plantando em asfixia da democracia e na desumana perseguição aos cidadãos.
Por isso, parece-me importante lembrar ainda que foi Matteo Renzi quem, mal tomou conta da chefia do Partido Democrático, visitou o próprio Sílvio Berlusconi para com ele planificar a reforma constitucional que agora pretende impor, lei eleitoral incluída.

Ora acresce que a tentativa de imposição da reforma constitucional em clima de chantagem política, jogando (excesso de confiança) com o maniqueísmo «eu ou o caos», não foi a estreia de Matteo Renzi nas estratégias golpistas. Foi assim que ele próprio chegou à chefia do partido e do governo, assaltando o poder do seu correligionário Enrico Letta à cabeça do PD e do executivo, através de um congresso organizado graças a uma descarada manipulação do aparelho partidário.

E eis que o chão se abriu agora sob os pés do aprendiz de feitiçaria política Matteo Renzi, oriundo da área da Democracia Cristã e para quem as petroditaduras do Qatar e dos Emirados Árabes Unidos são regimes económicos nos quais a Itália e o resto da União Europeia deveriam por os olhos. Tanto atacou a democracia que a democracia exercida através do voto lhe deu o troco.

Agora há que ter a noção da gravidade da crise em que a Itália mergulhou, uma vez que no cenário político não existe rectaguarda sólida para o falhanço do golpe: a esquerda não tem expressão nem unidade que lhe permitam intervir, uma vez que está ainda dispersa numa miríade de grupos e movimentos; o Partido Democrático, na verdade uma coligação criada sem princípios, é um saco de gatos na luta pelo poder interno e nacional; a extrema-direita e o populismo parecem pujantes, mas balançando entre a decrepitude octogenária de Berlusconi e o niilismo e o aventureirismo do clown Grilo e seus comparsas.

Busca-se, mais uma vez, um chefe de governo tecnocrático – fala-se em Padoan, agente do FMI em funções de ministro das Finanças – para evitar eleições antecipadas e arrastar o problema, agravando-o.

À imagem de Itália, a União Europeia, sem conserto, arrasta-se numa agonia irreversível, enquanto os seus dirigentes centrais e nacionais falam como se tudo evoluísse no correcto sentido, insistindo em que os problemas explodindo por todo o lado nada têm a ver uns com os outros. E, com a União Europeia, todo o continente se vai precipitando no abismo, tecendo loas à moeda única e à «integração», teimando em olhar a avalanche xenófoba, racista e fascista como fenómeno passageiro, folclórico até.

De novo, um trágico engano.

aqui:http://www.abrilabril.pt/golpe-de-estado-em-lume-brando

sábado, 3 de dezembro de 2016

CARL HART - Crack - É possível entender



A convite do CESeC (Centro de Estudos de Sociedade e Cidadania) da Universidade Candido Mendes, o neurocientista Carl Hart veio ao Brasil pela primeira vez.

Professor da Universidade de Columbia em Nova York tornou-se uma referência na pesquisa sobre hábitos de uso e abusos de drogas por sua abordagem que combina a leitura científica, política e social do problema das drogas. Particularmente do crack.

Ele veio ao país para uma série de conferências, palestras, encontros e pesquisa de campo. Conheceu de acadêmicos a usuários de crack em situação de rua. De ativistas a nomes das política nacional. Falou com a mídia e viu como ela ainda segue refém de velhos e ultrapassados conceitos.

E para lançar a edição brasileira de seu livro "Um Preço Muito Alto", um relato autobiográfico e científico sobre como sua juventude no gueto, envolvido com o crime e as drogas, moldaram sua visão acadêmica e política sobre o assunto.

No Brasil, Hart viu a manifestação das contradições entre o que a sociedade pensa e o que a ciência tem a dizer sobre o "problema do crack". E lamentou perceber que hoje o Brasil está repetindo os mesmos equívocos e a mesma paranóia em relação ao crack que os EUA viveram nos anos 1980.

O Fluxo acompanhou a visita de Carl Hart ao Brasil. Participou de conferências, visitou com ele cenas de uso, comunidades sob ocupação militar, universidades.
Graças ao apoio do CESeC fez um resumo da visita e das ideias de Carl Hart.

Câmeras: Fernando Ligabue, Bruno Torturra e Tatiana Tófoli.
Edição: Felipe Carreli e Bruno Torturra.

Publicação em destaque

Marionetas russas

por Serge Halimi A 9 de Fevereiro de 1950, no auge da Guerra Fria, um senador republicano ainda desconhecido exclama o seguinte: «Tenh...