sábado, 30 de julho de 2016

Pokemon, o jogo que traz espiões para dentro de casa


por Sergey Kolyasnikov (@Zergulio)
 
'. Pode falar-me do "Pokemon Go"?

Já dei três entrevistas sobre isso, de modo que agora tenho de me aprofundar nas fontes primárias.
  • Programador do jogo: Niantic Labs. É uma start-up da Google. Os laços da Google com o Big Brother são bem conhecidos, mas irei um pouco mais fundo.

  • A Niantic foi fundada por John Hanke, o qual fundou a Keyhole, Inc. – um projecto de mapeamento de superfícies cujos direitos foram comprados pela mesma Google e utilizados para criar o Google-Maps, o Google-Earth e o Google Streets.

  • E agora, atenção, observe as mãos! A Keyhole, Inc. foi patrocinada por uma empresa de capital de risco chamada In-Q-Tel , que é uma fundação oficialmente da CIA estabelecida em 1999.
As aplicações mencionadas acima resolvem desafios importantes:
  • Actualização do mapeamento da superfície do planeta, incluindo estradas, bases [militares] e assim por diante. Outrora tais mapas eram considerados estratégicos e confidenciais. Os mapas civis continham erros propositais.

  • Robots nos veículos da Google Streets olhavam tudo por toda a parte, mapeando nossas cidades, carros, caras...
Mas havia um problema. Como espiar dentro dos nossos lares, porões, avenidas com árvores, quartéis, gabinetes do governo e assim por diante?

Como resolver isso? O mesmo estabelecimento, Niantic Labs, divulgou um brinquedo genial que se propagou como um vírus, com a mais recente tecnologia da realidade virtual.

Uma vez descarregada a aplicação e dadas as permissões adequadas (para acessar a câmara, microfone, giroscópio, GPS, dispositivos conectados, incluindo USB, etc) o seu telefone vibra de imediato, informando acerca da presença dos três primeiros pokemons! (Os três primeiros aparecem sempre de imediato e nas proximidades).

O jogo exige que você dispare para todos os lados, atribuindo-lhe prémios pelo êxito e ao mesmo tempo obtendo uma foto da sala onde está localizado, incluindo as coordenadas e o ângulo do telefone.

Parabéns! Acaba de registar imagens do seu apartamento! Preciso explicar mais?

A propósito: ao instalar o jogo você concorda com os termos do mesmo. E não é coisa pouca. A Niantic adverte-o oficialmente:   "Nós cooperamos com agências do governo e companhias privadas. Podemos revelar qualquer informação a seu respeito ou dos seus filhos...". Mas quem é que lê isso?

E há o parágrafo 6:   "Nosso programa não permite a opção "Do not track" ("Não me espie") do seu navegador". Por outras palavras – eles o espiam e o espiarão.

Assim, além do mapeamento alegre e voluntário de tudo, outras oportunidades divertidas se apresentam.

Por exemplo: se alguém quiser saber o que está a ser feito no edifício, digamos, do Parlamento? Telefones de dúzias de deputados, pessoal da limpeza, jornalistas vibram: "Pikachu está próximo!!!" E cidadãos felizes agarrarão seus smartphones, activarão câmaras, microfones, GPS, giroscópios... circulando no lugar, fitando o écran e enviando o vídeo através de ondas online...

Bingo! O mundo mudou outra vez, o mundo está diferente.

Bem vindo a uma nova era.
18/Julho/2016 
 
Ver também
  • The CIA’s ‘Pokémon Go’ App is Doing What the Patriot Act Can’t
  • Pokémon Go Is ‘Totalitarianism,’ Says Oliver Stone
  • Pokémon Go, the CIA, Totalitarianism”and the Future of Surveillance
  • De Big Brother à Big Data
  • Casos insólitos
  • Mais de um milhão de downloads do Pokemon em Portugal

  • PSP lança manual que ensina a caçar Pokémons em segurança

    A versão em inglês encontra-se em www.fort-russ.com/2016/07/pokemons-in-every-yard-every-military.html


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

  • segunda-feira, 4 de julho de 2016

    A teoria económica dos 1%: Como desconstruir a teoria convencional


    por John Weeks [*]
     

    Durante muitos anos perguntei-me porque tantas pessoas bem informadas manifestam ignorância de aspectos simples da nossa economia. Demorou décadas para perceber que a resposta a esta pergunta repousa em grande parte na resposta a uma segunda: por que estudantes da teoria económica convencional (mainstream) não sabem quase nada acerca da economia real, mas consideram-se peritos embrionários neste campo?

    As respostas a estas perguntas são semelhantes e simples. Elas motivaram o meu livro. Os economistas convencionais têm tido um êxito extraordinário em doutrinar pessoas levando-as a acreditar que os trabalhos da economia são demasiado complexos para qualquer pessoa entender, excepto peritos (isto é, os próprios economistas). A economia que eles afirmam revelar-nos não existe. Eles criaram-na, a alternativa reaccionária ao mundo no qual as pessoas vivem e trabalham. Ensinar estudantes acerca desta economia imaginária impede-os, assim como o público, de entender a economia real.

    A teoria económica mainstream doutrina tanto os estudantes como o público pois representa mal os mercados, propalando falsidades sistematicamente. Como parte desta doutrinação, os [economistas] convencionais capturaram a profissão, a seguir expurgaram-na de keynesianos, ricardianos, marxistas, institucionalistas e todos os outros dissidentes. A disciplina que se chama a si própria ciência económica (economics) é uma doutrina religiosa dedicada ao culto dos mercados e os seus membros são sacerdotes desta doutrina.

    Economistas convencionais tipicamente descartam dissidentes como incompetentes, insuficientemente matemáticos e técnicos. Mas os incompetentes são os seguidores da doutrina convencional, sobrecarregando a profissão e o discurso público com um peso morto de inconsistências absurdas que eles apresentam como teoria. Em séculos passados astrólogos e alquimistas representaram uma barreira para o entendimento do mundo natural. Em grande parte do mesmo modo, as constantes adulterações neoclássicas da realidade impedem o entendimento das circunstâncias económicas nas quais as pessoas vivem, trabalho e sustentam-se.

    Em consequência desta adulteração não há consequência política ou económica tão reaccionária ou ultrajantemente anti-social que alguns economistas convencionais não defendam e a maior parte dar-lhe-ia seu apoio tácito. Dentre os absurdos reaccionários inclui-se que discriminação de género e de raça é uma ilusão, que o desemprego é voluntário e que o sector público é ineficiente.

    Os [economistas] convencionais propõem e praticam uma falsificação da teoria económica. Eles são econo-falsificadores, presos a uma fraudulenta teoria económica pseudo-científica, tal como astrólogos deturpavam o cosmos e alquimistas apregoavam o contra-senso da transubstanciação química. A ideia de que economias de mercado estão sempre e continuamente em pleno emprego subjaz à estrutura teórica destes convencionais. Todas as conclusões teóricas e políticas derivam desta premissa falaciosa. É a inexorável e indesculpável presunção do pleno emprego, contrária à realidade, que mais do que qualquer outra coisa qualifica os economistas mainstream como "falsificadores". Tal como os astrólogos, alquimistas e criacionistas dizem asneiras acerca do mundo natural, os neoclássicos propõem e defendem zelosamente uma versão falsa da sociedade de mercado.

    Se, depois de se apropriarem da profissão, a escola neoclássica tivesse sido conduzida ao descrédito – como aconteceria se criacionistas assumissem o comando da genética, se astrólogos fossem guindados à astronomia e alquimistas capturassem laboratórios de química – a sua ofensa classificar-se-ia como um crime intelectual menor. Contudo, eles tiveram êxito em vender o seu dogma como sabedoria incontestável para a orientação de governos. Não é sabedoria. É um vírus do intelecto que corrompe o cérebro, tornando-o incapaz de pensamento são.

    Alguns críticos reclamam que economistas arrogantemente pretendem entender muito mais do que realmente entendem. Esta crítica é demasiada fraca. O mainstream afirma ter conhecimento profundo da economia, mas não entende quase nada da mesma e obscurece quase tudo. A suposição do pleno emprego serve como véu de ocultação, representando mal "o problema económico" como aquele de distribuir recursos escassos. A realidade é a oposta. O problema económico central em sociedades de mercado é gerar trabalho útil e produtivo para aqueles que o desejam. Em sociedades de mercado o trabalho é abundante, não escasso.

    Grande parte da imerecida credibilidade de economistas mainstream resulta da sistemática promoção da ignorância ao longo dos últimos trinta anos por parte dos economistas neoclássicos e dos media. Entender a economia não é simples, mas não mais difícil do que entender suficientemente o sistema político para votar. As pessoas vão regularmente às cabines eleitorais e escolhem candidatos ou rejeitam-nos todos. As mesmas pessoas manifestam uma ignorância da teoria económica que as deixa incapazes de avaliar teses competidoras acerca da política pública.

    Meu primeiro livro explica que relações e processos económicos podem ser entendidos pelo público geral e que a perícia apregoada pelos [economistas] convencionais é um espectáculo de enganos e encobrimentos (smoke-and-mirrors). Em linguagem não técnica reformulei então a teoria económica como deveria ser: o estudo de sociedades com recursos ociosos e como induzir o que permanece ocioso à utilização produtiva. Este foi o contexto teórico para todos os grandes economistas, desde Smith e Ricardo até Marx e Hobson e continuando até Keynes, Galbraith e Kalecki. Rejeitar o absurdo dos recursos escassos leva a uma refutação das parábolas reaccionárias dos mainstream, das quais as mais importantes são:
    • O desemprego resulta de altos salários e/ou de apoio demasiado generoso àqueles sem trabalho (trabalhadores causam seu próprio desemprego);
    • Demasiada moeda em circulação causa inflação e é invariavelmente o resultado de despesas pública excessivas (governos causam inflação);
    • A competição faz mercados eficientes e traz benefícios para todos, tanto internamente como no comércio internacional (a competição beneficia toda a gente, a regulação prejudica todos); e
    • As regulações do sector públicos interferem com a livre escolha das pessoas e solapam a eficiência dos mercados (o governo é um fardo).
    No meu livro mostro que estas parábolas reaccionárias derivam do mundo de fantasia do pleno emprego, não de teoria sã. Os economistas de pacotilha dão-lhes credibilidade superficial ao apresentarem pessoas como produtores e consumidores que procuram obter ganho individual. Na teoria económica do mundo real, as pessoas não são primariamente produtoras e consumidoras. As economias de mercado são sociedades de classe na qual a vasta maioria procura através de meios sociais regular, reformar e limitar o dano colateral criado pela competição de mercado. E ao assim fazer, alcançar, se possível, uma sociedade produtiva de pleno emprego apta para a vida humana.
    16/Novembro/2014 
    [*] Autor de Economics of the 1%: How mainstream economics serves the rich, obscures reality and distorts policy (Anthem Press, 2014).

    O original encontra-se em http://iippe.org/wp/?p=2342


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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