quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Demitam-nos!


por Daniel Vaz de Carvalho

 
Temos de remover os economistas (neoliberais e neoclássicos) das suas posições de poder e influência. Tira-los dos bancos centrais, ministérios, comunicação social, universidades, onde quer que eles estejam e espalhem a sua perniciosa ignorância. Eles não fazem a mínima ideia do que estão a falar e fazem por ignorar toda a evidência que contradiz as suas teorias. (p.2-3)

De acordo com o mito capitalista todo o progresso está dependente dos capitalistas. Eles são os únicos capazes de conduzirem a iniciativa e os grandes esquemas. (…) Sem eles nós cairíamos na estagnação e as nossas sociedades colapsariam na anarquia. Todos os déspotas, monarcas e imperadores através dos tempos venderam esta história. (p.133)
in Sack the economists [1]
 
. 1- O pensamento neoliberal: uma pseudo ciência económica

Os economistas a que Geoff Davies se refere são os neoliberais e os neoclássicos. Trata-se de uma obra que à semelhança de outros trabalhos, por exemplo de Mike Whitney, Michael Hudson, Paul Craig Roberts, James Petras, J. Stiglitz, só mencionando não marxistas, não deixam pedra sobre pedra do edifício neoliberal, o capitalismo atual, na sua fase senil, incapaz de dar solução aos problemas que cria.

Para G. Davies o pensamento neoliberal “está centrado no mercado “livre” e no direito dos mais ricos fazerem e dizerem o que mais lhes agrada”. “Liberdade”, mas apenas para alguns e sem responsabilidade.

A aversão neoliberal à intervenção do Estado na economia, o facto de serem os bancos privados a criarem moeda e controlarem o crédito, com os bancos centrais a trabalharem a seu favor, levou a que os economistas e propagandistas do sistema comparem a ação do governo à gestão de uma boa dona de casa. Isto pode de facto ocorrer se o Estado deixa de ter o poder de emitir moeda, ficando dependente dos interesses de quem a emite. Na UE, países que cederam o poder de criar dinheiro ao BCE, aceitando o euro, é de facto possível irem à falência. (p.184)

A economia vigente, “nega a possibilidade de acontecimentos que na realidade ocorrem. Ficam sempre surpreendidos quando algo adverso (como uma recessão) na realidade acontece. E quando finalmente sentem que a sua posição não pode ser mantida não reexaminam as suas ideias, não consideram que há uma falha na sua lógica ou teoria. Simplesmente, mudam de assunto” (John K. Galbraith) (p.5)

A economia dominante é um conjunto incoerente de abstrações matemáticas, que não consideram a observação empírica e sem útil analogia com que é observável, além de falsa interpretação da história e fontes, racionalizando práticas arcaicas de dívida e tomando os desejos por realidades. O desempenho medíocre da era neoliberal não deverá, pois, ser uma surpresa. (p.142) Em termos simples: não passa de uma pseudociência. (p.49)

A ciência requer algo mais que matemática, embora esta seja essencial. Requer comparar as implicações da teoria com a observação dos fenómenos. O neoliberalismo é pré-científico, é tão útil para as sociedades como a cosmografia ptolemaica que, a maior parte do tempo, dava indicações erradas sobre a posição dos planetas. (p.209)

A ideologia é velha: os ricos e poderosos sabem mais, os restantes de nós estão aqui para os servir. A versão atual desta ideologia chama-se neoliberalismo. Defende mercados “livres” e governo mínimo: precisamente o bilhete para os ricos e poderosos fazerem o que entendem. (p.3)

Em outubro de 2008, Greenspan reconhecia que o edifício intelectual visando proteger as instituições financeiras e os acionistas “tinha colapsado”. O que não o impediu de mais tarde argumentar contra moderadas propostas para regular o sector financeiro… (p.27)

Admitem “imperfeições” no mercado, contudo não é correto descrever como “imperfeições” ou mesmo “aberrações” a causa da miséria de milhões e milhões de pessoas devido ao mau funcionamento dos mercados financeiros. (p.34) Na realidade as “imperfeições” são comuns e atualmente a regra. (p.69)

Segundo o fundamentalismo vigente os mercados proporcionam indicações que corrigem os preços e os levam a um ótimo antes que se desviem demasiado. Assim as bolhas especulativas nunca poderiam existir.(p.14) Para o dogma se manter inalterado culpam-se os governos e as despesas sociais.

Ao simples bom senso a “volatilidade” dos mercados deveria parecer suspeita. Será possível um mercado funcionar convenientemente, ser “eficiente”, sendo volátil? (p.95) Na realidade, o investimento produtivo não pode manter-se se os “investidores” são inconstantes e desviam o seu dinheiro para qualquer outra parte sem aviso, mas é justamente isto que os mercados financeiros promovem de forma geral. (p.103) Conclusão, a ideologia neoliberal, não tem fundamento (p.60-62)

O problema com a teoria neoclássica é que a “mão invisível” do mercado só funciona se nenhuma entidade dominar o mercado. Ora, as distorções provocadas pelos monopólios, tornam os que os controlam obscenamente ricos e poderosos, até à fusão fascista de grandes negócios e governo.

2– O domínio da finança e o insustentável “equilíbrio económico”

A teoria prediz que o equilíbrio geral é o estado mais eficiente que uma economia pode alcançar. Ou seja, a sociedade obtém o máximo de bens e serviços que dados recursos e esforços podem fornecer (p.37). Para tal é necessário serem estabelecidas as condições de mercado eficiente, que levariam o mercado de capitais próximo do seu estado de equilíbrio óptimo, na ausência de perturbações externas. (p.37-39)

Se isto fosse verdade preços e salários seriam sempre justos, haveria pleno emprego e as crises dos mercados seriam impossíveis. Ora, o que está mais que provado é que por mais complexos que sejam os modelos matemáticos de equilíbrio não são capazes de traduzir o funcionamento dinâmico de uma economia afastada do equilíbrio teórico. (p.47)

E uma das razões é a existência de empresas que dominam os mercados: os monopólios e os oligopólios. A própria competição torna-se um fator de desequilíbrio que não conduz ao equilíbrio óptimo, mas a que algumas grandes empresas dominem o mercado.

Os economistas neoclássicos lutam desesperadamente para salvar o “equilíbrio geral”, mas o problema não tem solução. Nas condições do mundo real há demasiadas fontes de instabilidade que conduzem as modernas economias para muito longe do equilíbrio.

Há muitos outros fatores que afastam as economias das condições de equilíbrio teórico. Este pressupõe completa, adequada, atempada e fiável informação quanto às condições do mercado. Tal não acontece, não só porque as condições de instabilidade tornam praticamente impossível prever o futuro, como os próprios defensores do sistema o confessam, ao justificarem os erros das suas decisões e previsões.

Acresce a instabilidade devido à fraude e à corrupção, que o próprio sistema promove e protege, bem como a “não interferência nos mercados”, que seria sempre ineficiente.(p.59-61) O sistema monetário atualmente existente também é um profundo desestabilizador das economias e altamente suscetível de práticas de extorsão e manipulação.(p.160) A ideologia neoliberal exalta o mercado e escarnece do controlo centralizado do governo, contudo o valor do dinheiro, as regras para a sua emissão e os juros que lhe estão associados dependem de autoridades centrais. (p.165)

Para tirar os bancos do impasse para onde a sua gestão os levou, milhões de milhões foram neles despejados. Na UE esta “recapitalização” foi responsabilidade dos governos, algo a que na terminologia neoliberal se aplica a suja palavra de “socialismo”. Porém, depois disto, os banqueiros voltaram de novo a ganhar milhões e a empobrecida classe média foi alvo de “austeridade” como se tivessem auferido tais milhões. (p.26)

A dívida privada é excluída das análises, pois considera-se que a dívida de uns é crédito de outros. A forma como o dinheiro é criado também é excluída pois considera-se que apenas facilita as trocas, como um lubrificante para a economia. (p.32)

Desde a crise financeira a conversa foi sempre acerca da necessidade dos governos cortarem no seu endividamento, para equilibrar os orçamentos e as economias recuperarem. O curioso é que a dívida privada era muito maior que a dívida pública na maior parte dos países e ainda é. Na realidade, foi a insustentável divida privada que causou a crise. (p.165) Em Portugal a dívida privada correspondia em 2012 a 225% do PIB.

Despejar dinheiro para bolhas especulativas não é investimento. Na realidade, o sector financeiro não necessita abranger mais que uns poucos por cento da economia Em vez disso domina a economia produtiva em detrimento de todas as pessoas. A atitude do sector financeiro perante a crise assemelha-se à daquele indivíduo que matou os pais e depois pede clemência por ser órfão.(p.22-23)

Uma estimativa recente aponta para 4 milhões de milhões de dólares como o montante transacionado diariamente nos mercados globais de capital. Ou seja em duas semanas equivale ao PIB mundial num ano. Apenas 1% ou 2% daquele valor é alocado a investimento eficiente, (p.98-99) 98% da atividade do mercado financeiro é parasitária. (p.101) Contudo, o que se propala é que os mercados financeiros na sua forma atual são essenciais e desempenham um papel real, positivo e importante na economia global.

Longe de levar os mercados ao equilíbrio, o movimento especulativo continuamente os desestabiliza. Nos EUA, o sector financeiro representava em 1995, 34% de todos os lucros empresariais, valor que passou para 45% em 2011. (p.100 - 101)

3 – O mito capitalista

O mito capitalista tornou-se incompatível até com as teorias que o suportam. De facto estas baseiam-se em que os mercados são sempre competitivos e nenhuma empresa será suficientemente grande para distorcer o mercado. (p.135) Na realidade, a distorção atingiu tal nível que passaram a ser demasiado grandes para falirem, inventando-se os “riscos sistémicos” para subordinar os interesses de toda a comunidade aos seus interesses egoístas, frequentemente obscuros.

O mito capitalista é um absurdo, uma insensatez. No mito capitalista os capitalistas acumulam uma grande quantidade de dinheiro (capital) e reinvestem. No mundo atual, os capitalistas, especulam com ativos e cobram juros. Assim, endividamentismo deveria ser o nome mais apropriado para o regime atual, em vez de capitalismo. (p.17)

Com base nestes mitos enormes montantes da riqueza são transferidos para os mais ricos por mecanismos que não podem ser justificados pela honesta ação do mercado. Mecanismos artificiais (além da especulação) como subsídios e benefícios fiscais, reduções de impostos, concorrência fiscal entre países, estão a drenar a riqueza dos pobres e da classe média para os ricos.

As privatizações foram outro mecanismo para artificialmente criar monopólios e aumentar o poder e a riqueza da camada mais rica. Resultaram geralmente em serviços piores e mais caros, devido aos cortes nos custos e lucros para os acionistas. (p.70-71).

A perceção comum de que “os ricos ficam mais ricos, os pobres mais pobres”, as crescentes desigualdades, mostram a patologia central do capitalismo moderno.(p.118) A desigualdade tem um significativo efeito, não apenas na qualidade social, mas também no comportamento da economia. As sociedades desiguais são mais conflituosas e o rendimento não é gasto ou investido tão criteriosamente como nas sociedades mais iguais. (p.84)

A família Walton, dona dos Walmart, é a mais rica dos EUA, à custa dos seus fornecedores e dos seus trabalhadores. Detém tanta riqueza como 30% dos cidadãos mais pobres do país.(p.124) Nos EUA entre 1979 e 2009 a produtividade aumentou 154%, os salários apenas 13%, no entanto mais 55% para os 20% topo e menos 4% para os 20 da base.

O postulado neoliberal do "gotejamento" (“tricke down”), (ainda recentemente exposto pela ministra das Finanças, ao afirmar que em Portugal a classe média era penalizada porque havia poucos ricos) não tem qualquer base real, pelo contrário. As crescentes desigualdades e o seu efeito no crescimento económico são até reconhecidos pelo FMI, sem que daí advenham quaisquer consequências para a alteração das políticas. (p.142)

4 – A democracia subvertida

Havendo democracia real, a sociedade poderá corresponder aos desejos da maioria e a economia ser ajustada para suportar essa forma de sociedade. A economia será uma parte subordinada da sociedade. (p.7-8)

A estratégia neoliberal é cortar impostos aos mais ricos (e grande capital); o défice público daqui resultante, vai servir de desculpa para cortar serviços sociais que beneficiariam os pobres e a classe média. (p.134) Estratégia que permite aos ricos capturar a riqueza da sociedade e, através do seu poder económico, corromper políticos e subverter a democracia.

A democracia foi enfraquecida e frequentemente subvertida pelos mais ricos. O aumento da hostilidade internacional que acompanhou estas mudanças tem sido usado como desculpa para reduzir drasticamente os direitos civis e aumentar o poder dos mais ricos e poderosos. (p.198)

Países são intimidados e molestados por gigantescas multinacionais. A plutocracia está de volta. (p.204) Por outras palavras, os atuais mecanismos económicos criaram uma grande quantidade de pobreza e de opressão. (p.208)

Os neoliberais têm pronto um conjunto de acusações e frases feitas para atirar a quem quer que questione as suas vias. (p.193) Questionar a grande concentração de riqueza é considerado “luta de classes”. Questionar as políticas de ligação aos EUA é atribuído a “elementos anti-americanos”. Assassínios de caracter, ameaças de ações legais, difamação, absolutas mentiras são usadas rotineiramente. (p.200 – 201)

Tudo isto foi encorajado pela “esquerda” dominante, que perdeu o seu caminho no turbilhão dos anos 70. Falamos de liberais como Tony Blair, enquanto a direita se torna cada vez mais extrema. (p.201)

5 – As propostas e algumas conclusões

Para G. Davies a imposição de taxas sobre as transações financeiras pode trazer alguns benefícios, porém a intenção é mais obter algum rendimento do que estabilizar esses mercados e permitir um equitativo e eficiente funcionamento dos mercados, terão poucos efeitos a longo prazo.

Mas não devemos desprezar os mercados e tornar-nos socialistas, afirma. O problema não são os mercados em si, são os mercados à solta, sem controlo. (p.66) Os mercados têm de ser geridos evitando os comportamentos nefastos sendo esse o papel do governo. (p.71) Para atingir os objetivos de justiça social e económica sem intenso domínio governamental sobre a propriedade e a gestão, talvez os socialistas comecem a ver os benefícios de uma gestão sensata dos mercados. (p.217)

Os governos devem desempenhar as funções que legitimamente expressem a vontade e o querer coletivo dos cidadãos. (p.35) Assim, o coro depreciando a “interferência” na economia pode ser ignorado. Devemos concentrar-nos de forma criativa nas formas de gerir as economias com intervenções mais eficazes. (p.73)

Os equilíbrios individuais e sociais seriam encontrados no equilíbrio entre competição e cooperação. (p.198) O investimento deverá ser feito através da poupança. (p.191) Patrões e trabalhadores unidos, parece, ser o lema de G. Davies, tornando os trabalhadores acionistas. (p.117)

G. Davies tem uma clara visão das falhas fundamentais do capitalismo neoclássico e neoliberal, orientando-se para uma economia baseada na regulação dos mercados, transcendendo o socialismo e o capitalismo. (p.201)

Uma falha do seu pensamento é considerar o socialismo como oposto ao mercado e confundi-lo com “comunismo”, algo que nunca existiu, excetuando o chamado comunismo primitivo ou algumas comunidades isoladas.

G. Davies compreende que os partidos da social-democracia/socialismo reformista estão tão comprometidos com o neoliberalismo como a direita. Põe-se então a questão: que forças sociais podem levar à mudança necessária à resolução dos problemas que aponta? Restam as forças políticas que se reclamam do marxismo, mas obviamente não só, todos os patriotas e democratas, capazes de se unirem num programa de salvação, na realidade de libertação nacional, que objetivamente irá ao encontro dos interesses de todas as camadas não monopolistas.

Simplesmente, é bom que as pessoas se deem conta, e não tenham medo das palavras, as mudanças apontadas por Davies, apesar de defender “outro capitalismo”, implicam a Revolução.

Revolução, em termos marxistas, significa a introdução de mudanças qualitativas na esfera política, social e económica. Alterações determinantes nas formas de propriedade, quer no sector privado quer no social ou público; na gestão económica (quem controla) nas formas democráticas (participação ativa das massas populares).

Se estas alterações, ou antes, se a superação das formas sociais tornadas obsoletas e nefastas se faz de forma pacifica, depende apenas, como sempre através dos séculos, da resistência da classe exploradora e opressora.

O autor é um cientista da hard science, professor emérito de geofísica da Universidade Nacional da Austrália – sabe portanto reconhecer e interpretar devidamente a realidade. O seu livro merece uma leitura completa.
 

[1] Geoff Davies, Sack the Economists - and Disband their Departments , Bwm Books, Canberra, 2014, 220 p., ISBN: 9780992360368

Esta resenha encontra-se em http://resistir.info/ .

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A liberdade de empresa e o dever de enformar*

John McCain admitiu estar em contacto permanente com o Emirado Islâmico

Vôo MH17: Rússia insta EUA a publicar imagens de satélite da tragédia

Absurdo sem limites*

por Jorge Cadima 

Os discursos dos dirigentes das potências imperialistas tornaram-se monumentos de desfaçatez e hipocrisia. Parecem não temer o ridículo mesmo quando, como foi o caso de Obama na Cimeira do G20, se desmentem a si próprios na mesma ocasião. A sua impunidade verbal resulta do controlo sobre uma comunicação social dócil e submissa que os protege do confronto com a realidade. A realidade da miséria e da guerra que semeiam por todo o mundo.

O cantor e humorista norte-americano Tom Lehrer notabilizou-se nos anos 50 e 60 pelas suas canções satíricas progressistas. Anos mais tarde deixou de cantar. Interrogado sobre as razões, declarou que «a sátira política tornou-se obsoleta no dia em que [no final da guerra do Vietname] atribuíram o Prémio Nobel da Paz a Henry Kissinger». Desde então, a procissão do absurdo percorreu um longo caminho.

Vem isto a propósito das declarações, no final da Cimeira dos G20 na Austrália, de outro Prémio Nobel da Paz, o presidente da maior potência belicista do planeta, protagonista de todas as grandes invasões, guerras de agressão e subversões conducentes a «mudanças de regime» das últimas décadas. Afirmou Obama em conferência de imprensa: «Temos uma posição muito firme sobre a necessidade de preservar princípios internacionais fundamentais. E um desses princípios é o de que não se invadem outros países, nem se financiam agentes, nem se lhes dá apoios que conduzam à divisão de um país que tem mecanismos para eleições democráticas» (Reuters, 16.11.14). A espantosa declaração de Obama, proferida num momento em que as tropas americanas voltam ao Iraque, era dirigida contra a Rússia e vinha a propósito da Ucrânia. País onde o governo dos EUA investiu cinco mil milhões de dólares no financiamento da subversão, segundo confessou publicamente a vice-secretária de Estado dos EUA para as questões euro-asiáticas, Victoria Nuland, ao discursar perante uma plateia de homens de negócios em Washington, no dia 13 de Dezembro de 2013. Subversão que culminou, dois meses depois, no golpe de Estado que derrubou o presidente eleito Yanukovich, no ascenso do fascismo e na divisão e destruição do país (que tinha eleições agendadas para 2015).

Os dirigentes das potências imperialistas parecem não temer o ridículo. Não é apenas a realidade que desmente as palavras de Obama. É o próprio Obama. Na mesma conferência de imprensa, ameaçou: «Já comunicámos ao regime sírio que quando agirmos contra o ISIL no seu [da Síria] espaço aéreo, o melhor que eles têm a fazer é não se meterem connosco». O único «princípio internacional fundamental» que o imperialismo dos EUA conhece é simples: o planeta inteiro pertence-lhes. E quem se atravessar no seu caminho que se cuide.

 A impunidade verbal dos dirigentes do imperialismo mundial resulta do seu controlo sobre uma comunicação social dócil e submissa. Como sempre acontece nas grandes questões internacionais e nas guerras e agressões imperialistas, a cobertura da Cimeira dos G20 na comunicação social de regime seguiu uma cartilha única. Que também parece não recear o ridículo. Como muitos outros, o jornal inglês TheGuardian titulou: «Vladimir Putin abandona G20 depois de dirigentes fazerem fila para o atacar a propósito da Ucrânia» (16.11.14). Mas quem resistir e ler esse mesmo artigo até ao fim descobre que: «embora a comunicação social ocidental tenha descrito Putin como uma figura isolada na Cimeira, ele continuou a forjar relações de proximidade com os países BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), um agrupamento que se torna cada vez mais organizado no G20 e que, em termos económicos, mais do que iguala a dimensão das economias do G7». E em termos demográficos, corresponde a mais de 40 por cento da Humanidade, contra pouco mais de 10 por cento para os G7.

Há cada vez menos relação entre a realidade e as declarações públicas dos dirigentes das principais potências imperialistas. Esta desconexão não é uma novidade. Mas hoje ultrapassa-se os limites do absurdo. Não é sinal de força, mas sim de fraqueza. Reflecte o facto de que as velhas potências capitalistas em crise nada têm para oferecer aos povos, senão miséria e guerra. Inconfessável, a realidade tem de ser expurgada do discurso oficial.

*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2138, 20.11.2014

aqui:http://www.odiario.info/?p=3468

Que sucesso é este?

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Corrupção dourada

Conversações de Paz em Havana e assassinatos na Colômbia: A estratégia dual do regime Santos


por James Petras
 

Cartaz de Areito. Há muitas ficções e falsas suposições subjacentes às negociações de paz entre o regime do Presidente Santos e as FARC-EP (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo). A primeira e mais chocante delas é que a Colômbia é uma democracia. A segunda é que o regime Santos objetiva políticas que melhorem a atividade social e política não-violenta a fim de integrar a insurgência armada no sistema político.

Há evidências suficientes para por em causa ambas as suposições. Ao longo das últimas duas décadas e meia cerca de três mil líderes sindicais e ativistas foram assassinados; mais de 4,5 milhões de camponeses foram desapropriados e deslocados pelas forças militares e paramilitares; e mais de 9 mil presos políticos estão sendo mantidos indefinidamente por se engajarem em atividades sócio-políticas não-violentas. Além disso, muitos juristas especializados em direitos humanos, ativistas e advogados têm sido assassinados.

A vasta maioria das vítimas resulta da direção militar do regime e da repressão policial ou dos esquadrões de morte paramilitares aliados aos militares e aos principais políticos pró-governamentais.

A escala e âmbito do regime de violência contra a oposição social elimina qualquer ideia de que a Colômbia é uma democracia: eleições conduzidas sob terror generalizado e cujos perpetradores são aliados ao Estado e agem com impunidade não têm legitimidade.

A reeleição do presidente Santos e a convocação das negociações de paz com as FARC para terminar a mais longa guerra civil da América Latina, certamente é um passos em frente para acabar com o banho de sangue e proporcionar a base para uma transição à democracia.

Apesar de o regime Santos ter posto um término ao regime de terror do estado em escala maciça do seu antecessor, quando os EUA apoiavam o regime de Alvaro Uribe, ainda ocorrem assassinatos políticos e os seus perpetradores ainda agem impunemente.

Para qualquer processo de paz culminar com êxito, os acordos de paz, combinados com ambas as partes, devem ser efetivamente implementados . Acordos anteriores terminaram em massacres estatais de guerrilheiros desmobilizados, que se haviam transformado em ativistas da sociedade civil e em representantes políticos eleitos.

As negociações de paz têm prosseguido durante dois anos e importantes acordos foram alcançados numa série de áreas vitais de mútua preocupação. Em particular, ambos os lados subscreveram 3 de 5 pontos na agenda de paz: desenvolvimentos rurais, participação da guerrilha na política; política sobre o tráfico de drogas. As negociações actuais focam no contencioso "justiça de transição" para as vítimas do conflito. A maior parte dos grupos de direitos humanos e especialistas concorda em que a grande maioria das vítimas resulta da repressão militar e paramilitar. Entretanto, o regime Santos e seus apoiantes nos media afirmam o contrário – culpando as FARC.

Há um "processo de paz"?

O regime Santos rejeitou três vezes as ofertas de cessar fogo das FARC, as quais avançaram e implementaram-nas unilateralmente. O regime escolheu continuar a guerra na Colômbia enquanto negociava em Havana. O período de dois anos de negociações de paz proporcionou percepções profundas quanto à viabilidade dos acordos em Havana. Grupos de direitos humanos colombianos e internacionais e movimentos sociais apresentaram relatórios oportunos sobre o âmbito e a profundidade das violações em curso de direitos humanos e políticos na Colômbia durante as negociações de paz.

Com base em dados compilados por advogados e especialistas em direitos humanos filiados à Marcha Patriótica, uma aliança de grande número de comunidades, camponeses, sindicatos e organizações de direitos humanos, entre abril de 2012 e janeiro de 2014 fica claro que o domínio do terror estatal e paramilitar continua em paralelo com as negociações de paz.

Durante esse período de 21 meses, 29 ativistas da Marcha Patriótica foram mortos e três outros foram "desaparecidos" – e presumivelmente assassinados. Hoje considerados mortos. Numerosos outros receberam ameaças de morte.

Os antecedentes de classe das vítimas apontam para a vulnerabilidade do acordo de paz. Trinta e três dos membros assassinados da Marcha Patriótica eram líderes camponeses e ativistas que promoviam a reforma agrária, a reintegração de posse das terras sob o regime da Lei de Restituição de Terras ou engajados em outras atividades pacíficas na sociedade civil. Quatro das vítimas eram ativas em movimentos sociais apoiando uma agenda da "paz com justiça social"; dois eram advogados de direitos humanos; dois eram organizadores comunitários e um era líder de um movimento juvenil local.

Nenhum dos atacantes foi preso. Oficiais militares e da polícia, que foram previamente notificados das ameaças de morte, não tomaram precauções. Também não foram realizadas quaisquer investigações, até mesmo quando familiares e vizinhos estavam a par de evidências relevantes.

Diante da relutância do governo de Santos para restringir a cumplicidade de militares, policias e esquadrões de morte no assassínio de ativistas camponeses durante as negociações de paz, pode-se confiar no regime para implementar o acordo sobre "desenvolvimento rural"? Pode o governo garantir a segurança de guerrilhas desarmadas no momento em que entrarem no sistema político, quando em setembro de 2014 mais de cem ativistas de direitos humanos recebeu ameaças de morte?

De acordo com a Amnistia Internacional, durante ano de 2013 setenta defensores dos direitos humanos foram mortos, incluindo indígenas e líderes afro-colombianos e 27 membros de sindicatos. Pelo menos 48 homicídios foram cometidos por unidades militares. Comandantes militares envolveram-se em casos de "falsos positivos" , o que significa que civis assassinados foram falsamente etiquetados pelos militares como "insurgentes armados". As mortes extra-judiciais por parte dos militares continuam sob o regime Santos.

Igualmente agourento, Santos deixou de desmantelar os esquadrões de morte paramilitares. Em consequência, o regime deixa de proteger os que reclamam terra. Camponeses e agricultores despojados que tentam recuperar as suas terras sob a "Lei de Restituição da Terra", de Santos, têm sido ameaçados ou assassinados por gangs paramilitares. Em consequência, a lei não teve virtualmente nenhum impacto sobre a reinstalação de camponeses devido às retaliações dos proprietários das terras.

De fato, o número de expulsos das suas terras tem aumentado segundo as Nações Unidas: 55.157 colombianos, na sua maioria rurais, fugiram dos seus lares entre janeiro e outubro de 2013, por causa da guerra entre e dentre gangues de drogas e paramilitares.

A guerra presidencial de Santos na sociedade civil

A insegurança generalizada que reina na área rural, os assassinatos, desaparecimentos e prisão de ativistas sociais, acompanhando as negociações de paz, põem em causa os "acordos" alcançados até agora entre as FARC e o regime Santos. Defensores do regime argumentam que o número de assassinatos tem diminuído durante os três últimos anos. Críticos rebatem que essa relativa diminuição dos assassinatos tem o mesmo efeito na geração de medo, minando a participação do cidadão e a transição para um sistema político democrático.

Toda a concepção de um processo de paz bem-sucedido repousa no pressuposto que os acordos resultarão em garantias constitucionais de participação livre e democrática dos cidadãos. No entanto, ao longo do período de dois anos, o regime não demonstrou um claro e consequente comprometimento com direitos elementares. Se esse é o caso durante as negociações com a insurgência popular, ainda ativa e armada, quão pior serão as condições uma vez que os militares, a polícia e os paramilitares estejam livres de qualquer retaliação, quando eles tiverem mãos livres para intimidar e abater dissidentes políticos desarmados que tentarem competir em eleições locais ou nacionais?

O regime Santos parece ter adotado uma estratégia de duas pontas: combinar repressão violenta aos movimentos sociais na Colômbia e ao mesmo tempo adotar a linguagem da paz, justiça e reconciliação na mesa de negociações em Havana.

O regime Santos pode prometer aceitar muitas mudanças democráticas, mas sua prática ao longo dos últimos dois anos mostra um regime autoritário e ilegal, satisfeito por manter o status quo.

O regime Santos tem três objetivos estratégicos: desarmar a insurgência popular; recuperar o domínio do território sob controle da insurgência e enfraquecer e minar os movimentos sociais populares e grupos de direitos humanos, os quais provavelmente formarão alianças políticas com os insurgentes quando e se eles se tornarem parte do sistema político.

É duvidoso que as FARC deponham suas armas num clima político em que paramilitares assassinos operam com impunidade; comandantes militares ainda se envolvem em "falsos positivos"; e os projetos de desenvolvimento rural estão inoperantes devido às táticas de terror dos proprietários das terras.

A menos que os acordos de paz sejam acompanhados de mudanças fundamentais na área militar; a menos que as forças paramilitares sejam efetivamente desmobilizadas; a menos que o governo reconheça e aceite a legitimidade das demandas dos movimentos sociais de massa e dos grupos de direitos humanos em favor de uma assembleia constituinte eleita livremente, o processo de paz acabará por fracassar.

Conclusão: Quatro hipóteses sobre a estratégia de Santos para a guerra e a paz

Há várias hipóteses a respeito da razão porquê o regime Santos negocia um acordo de paz enquanto brutais violações de direitos humanos continuam diariamente.

(1) O regime Santos está dividido, com um sector a favor da paz e outro oposto. Esta hipótese carece de qualquer base credível pois não há sinais visíveis de conflito interno e o regime actua com um comando unificado. Se bem que alguma violência estatal possa ser resultado de comandantes militares locais, em nenhum momento os líderes nacionais reprimiram estes transgressores "locais".

(2) O regime Santos busca ativamente atos violentos contra os movimentos sociais para fortalecer sua posição de barganha nas negociações de paz a fim de assegurar um acordo mais favorável – em outras palavras, fazer o mínimo de concessões sociais a fim de aplacar oligarcas críticos de quaisquer negociações. Esta hipótese explica a abordagem da "estratégia dual" defendida pelo regime em relação às FARC, falando de paz em Havana e rejeitando um cessar-fogo na Colômbia; continuando a guerra enquanto negociam a paz. Mas ela também mina a afirmação do regime de que Santos procura incorporar grupos combatentes no sistema político.

(3) O regime está num tácito pacto com os antigos esquadrões da morte do ex-presidente Alvaro Uribe. Como resultado o aparelho militar do governo ainda está ligado às gangues paramilitares, trabalhando com latifundiários, traficantes de drogas e homens de negócio. Não há dúvida de que Santos tem laços de longa data com Uribe – ele era o seu ministro da Defesa. Além disso, depois de Santos ter derrotado o candidato de Uribe à Presidência por uma margem estreita ele procurou uma acomodação política com apoiantes de Uribe no Congresso e entre os homens de negócio. Por outro lado Santos reconhece que sua estratégia econômica , especialmente seu foco na promoção do comércio com a América Latina e especialmente com a Venezuela, e seu grande empenho em explorar a energia e o setor de mineração dependem de alcançar um acordo de paz com as FARC, que controla regiões com riqueza mineral substancial. Por isso Santos assina "acordos no papel" com as FARC enquanto aplica uma política de "mão dura" com os movimentos sociais.

(4) A explosão dos movimentos sociais de massa, incluindo a Marcha Patriótica, exigindo a efetiva implementação de reformas no 'desenvolvimento rural' e a reintegração de posse de terra às 3,5 milhões de famílias deslocadas e o crescente papel dos grupos de direitos humanos no acompanhamento das violações dos direitos humanos, significa que o regime Santos não pode assegurar 'paz' unicamente através de um acordo com as FARC em Havana. Se a meta do regime Santos nas negociações de paz é desarmar as guerrilhas e incorporá-las ao sistema eleitoral, sem lidar com as reformas estruturais sócio-econômicos de raiz, deve enfraquecer os movimentos populares da sociedade civil.

Esta é a hipótese mais plausível. O Presidente Santos é capaz de prometer às FARC qualquer tipo de 'reformas democráticas' e está disposto a assinar acordos antidrogas e mesmo de "desenvolvimento agrário" . Mas o que ele não está disposto a aceitar é o surgimento de movimentos de massa camponeses ativamente empenhados em mudar a posse das terras, recuperar suas lavouras e reclamar milhões de hectares de terra concedidos a grandes consórcios de mineração de propriedade estrangeira.

Santos não irá desmobilizar as gangues paramilitares porque elas são instrumentos dos grandes latifundiários e protegem as concessões do Estado às grandes companhias mineiras. Mas ele tentará limitar os alvos dos esquadrões de morte a organizações e ativistas específicos em regiões contenciosas.

Santos nem sequer restringiu os ataques fronteiriços dos grupos paramilitares colombianos. Os assassinatos continuam, o mais recente foi o de um líder do Congresso Venezuelano. Ele ampliou os laços militares com os EUA buscando acordos para colaborar com a NATO – oferecendo unidades de combate para as guerras do Oriente Médio.

O que é abundantemente claro é que o regime Santos não cumpriu com as principais condições elementares necessárias para implementar qualquer dos cinco pontos estabelecidos na agenda de reforma em Havana. Impunidade militar, violentos esquadrões de morte, grande número de ameaças diárias de morte a ativistas de direitos humanos, mais de nove mil presos políticos e dezenas de assassinatos não resolvidos de líderes camponeses não é compatível com a transição para uma paz democrática. Isto só é compatível com a continuidade de um regime oligárquico autoritário. Uma transição democrática e um acordo de paz exige uma mudança fundamental na cultura política e nas instituições do Estado colombiano.
06/Novembro/2014
Ver também:
  • www.pazfarc-ep.org/


  • www.justiceforcolombia.org/

    O original encontra-se em www.globalresearch.ca/... . Tradução de CG.


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • terça-feira, 18 de novembro de 2014

    O cerco a Julian Assange é uma farsa


    por John Pilger

    Julian Assange. O cerco do [distrito de] Knightsbridge é uma farsa. Durante dois anos, uma presença policial exagerada e custosa em torno da embaixada equatoriana em Londres não serviu a qualquer finalidade senão ostentar o poder do Estado. Sua presa é um australiano não acusado de qualquer crime, um refugiado de injustiça brutal cuja única segurança é o espaço que lhe é dado por um corajoso país sul-americano. O seu verdadeiro crime é ter iniciado uma onda de revelações de verdades numa era de mentiras, cinismo e guerra.

    A perseguição a Julian Assange deve terminar. Mesmo o governo britânico acredita claramente que deve terminar. Em 28 de Outubro, o vice-ministro dos Estrangeiros, Hugo Swire, disse ao Parlamento que "receberia com satisfação" a promotora pública sueca em Londres e que "faríamos absolutamente tudo para facilitar isso". O tom era impaciente.

    Marianne Ny. A promotora pública sueca, Marianne Ny, recusou-se a vir a Londres para interrogar Assange acerca de alegações de má conduta sexual em Estocolmo em 2010 – apesar de a lei sueca o permitir e de o procedimento ser rotineiro para a Suécia e o Reino Unido. A evidência documental de uma ameaça à vida e liberdade de Assange por parte dos Estados Unidos – caso deixasse a embaixada – é esmagadora. Em 14 de Maio deste ano, ficheiros de tribunais dos EUA revelaram que uma "investigação de muitos assuntos" contra Assange estava "activa e em andamento".

    Ny nunca explicou devidamente porque ela não vem a Londres, assim como as autoridades suecas nunca explicaram porque se recusam a dar a Assange uma garantia de que não o extraditarão para os EUA sob uma disposição secreta acordada entre Estocolmo e Washington. Em Dezembro de 2010 o Independent revelou que os dois governos haviam discutido sua extradição para os EUA antes de ser emitido o seu Mandado de Prisão Europeu (European Arrest Warrant).

    Talvez a explicação seja que, ao contrário da sua reputação como bastião liberal, a Suécia ligou-se tão estreitamente a Washington que permitiu "entregas" ("renditions") secretas da CIA – incluindo a deportação ilegal de refugiados. A entrega e subsequente tortura de dois refugiados políticos egípcios em 2001 foi condenada pelo Comité da ONU contra a Tortura, pela Amnistia Internacional e pelo Human Right Watch; a cumplicidade e duplicidade do Estado sueco estão documentadas em litigação civil vencida e em telegramas da WikiLeaks. No Verão de 2010, Assange esteve na Suécia para falar acerca de revelações da WikiLeaks acerca da guerra no Afeganistão – país no qual a Suécia tinha forças sob o comando estado-unidense.

    Os americanos estão à caça de Assange porque a WikiLeaks revelou seus crimes gigantescos no Afeganistão e no Iraque: a matança maciça de dezenas de milhares de civis, que eles encobriram; e seu desprezo pela soberania e pelo direito internacional, como demonstrado vivamente nas fugas dos seus telegramas diplomáticos.

    Pela sua parte nas revelações de que soldados dos EUA assassinaram civis afegãos e iraquianos, o heróico soldado Bradley (agora Chelsea) Manning recebeu uma sentença de 35 anos de prisão, tendo sido mantido durante mais de um milhar de dias em condições que, segundo o Relator Especial da ONU, equivaliam a tortura.

    Poucos duvidam de que se os EUA pusessem as mãos sobre Assange, um destino semelhante o aguardaria. Ameaças de captura e assassínio tornaram-se moeda corrente de políticos extremistas dos EUA após a ridícula difamação feita pelo vice-presidente Joe Biden de que Assange era um "ciber-terrorista". Alguém que duvidasse da espécie de brutalidade estado-unidense que o esperaria deveria lembrar-se da aterragem forçada do avião do presidente boliviano no ano passado – que erradamente eles acreditavam estar a transportar Edward Snowden.

    Segundo documentos divulgados por Snowden, Assange está numa "Lista de alvos de uma caçada humana". A ânsia de Washington para obtê-lo, dizem telegramas diplomáticos australianos, é "de escala e natureza sem precedentes". Em Alexandria, Virginia, um grande júri secreto passou quatro anos a tentar elucubrar um crime pelo qual Assange pudesse ser processado. Isto não é fácil. A Primeira Emenda da Constituição dos EUA protege editores, jornalistas e denunciantes. Como candidato presidencial em 2008, Barack Obama louvou os denunciantes como "parte de uma democracia saudável" e afirmou que eles "devem ser protegidos de represálias". Sob o presidente Obama, têm sido processados mais denunciantes do que sob todos os outros presidentes dos EUA somados. Mesmo antes que fosse anunciada a sentença no processo de Chelsea Manning, Obama havia pronunciado a sua culpabilidade como denunciante.
    "Documentos revelados pela WikiLeaks desde que Assange foi para a Inglaterra", escreveu Al Burke, editor do Nordic New Network online, uma autoridade sobre as múltiplas reviravoltas e perigos que confrontam Assange, "indicam claramente que a Suécia submeteu-se sistematicamente à pressão dos Estados Unidos em assuntos de direitos civis. Há toda a razão para a preocupação de que se Assange fosse tomado sob a custódia das autoridades suecas ele poderia ser entregue aos Estados Unidos sem a devida consideração quanto aos seus direitos legais".
    Há sinais de que o público sueco e a sua comunidade legal não apoiam a intransigência da promotora pública Marianne Ny. Antes implacavelmente hostil a Assange, a imprensa sueca tem publicado manchetes tais como: "Vá para Londres, pelo amor de Deus".

    Por que ela não irá? Indo mais directamente ao principal: por que ela não permitirá que o tribunal sueco tenha acesso a centenas de mensagens SMS que a polícia extraiu do telefone de uma das duas mulheres envolvidas nas alegações de má conduta? Diz ela que não lhe é legalmente exigido assim fazer até que uma acusação formal seja estabelecida e que o tenha interrogado. Então, por que ela não o interroga?

    Esta semana, o Tribunal Sueco de Recurso decidirá se ordena Ny a entregar as mensagens SMS; ou o assunto irá para o Supremo Tribunal e o Tribunal Europeu de Justiça. Tal como numa farsa, aos advogados suecos de Assange só foi permitido "reverem" as mensagens SMS, as quais tiveram de memorizar.

    Uma das mensagens das mulheres torna claro que ela não queria quaisquer acusações contra Assange, "mas a policia estava ansiosa por conseguir a sua retenção". Ela ficou "chocada" quando eles o prenderam porque apenas "queria que fizesse um teste [de HIV]". Ela "não queria acusar JA de qualquer coisa" e "foi a polícia que inventou as acusações". (Numa declaração como testemunha, ela é citada como tendo dito que fora "pressionada pela polícia e outros em torno dela").

    Nenhuma das mulheres afirmou que fora violada. Na verdade, ambas negaram que tivessem sido violadas e uma delas posteriormente disse num tweet "Não fui violada". Que elas foram manipuladas pela polícia e suas vontades ignoradas é evidente – seja o que for o que os seus advogados possam agora dizer. Certamente elas são vítimas de uma saga digna de Kafka.

    Para Assange, o seu único julgamento foi o dos media. Em 20 de Agosto de 2010, a polícia sueca abriu uma "investigação de violação" e imediatamente – e ilegalmente – contou aos tablóides de Estocolmo que havia um mandado para a prisão de Assange pela "violação de duas mulheres". Esta foi a notícia que correu o mundo.

    Em Washington, um sorridente secretário da Defesa Robert Gates disse a repórteres que a prisão "soa como boa notícia para mim". Contas twitter associadas ao Pentágono descreveram Assange como um "violador" e um "fugitivo".

    Menos de 24 horas depois, a Promotora Chefe de Estocolmo, Eva Finne, assumiu o comando da investigação. Ela não perdeu tempo em cancelar o mandado de prisão, dizendo "não acredito que haja qualquer razão para suspeitar que ele cometeu violação". Quatro dias depois ela abandonou a investigação de violação, dizendo: "Não há suspeita de qualquer crime que seja". O processo foi encerrado.

    Entra em cena Claes Borgstrom, um político conhecido do Partido Social Democrático que então se posicionava como candidato numa iminente eleição geral sueca. Dias após o abandono do caso por parte da procuradora, Borgstrom, um advogado, anunciou aos media que estava a representar as duas mulheres e pedira uma promotora diferente na cidade de Gotemburgo. Esta era Marianne Ny, a qual era bem conhecida de Borgstrom. Ela, também, estava envolvida com os sociais-democratas.

    Em 30 de Agosto, Assange compareceu voluntariamente a uma esquadra de polícia em Estocolmo e respondeu a todas as perguntas que lhe fizeram. Ele entendeu que era o fim do assunto. Dois dias depois, Ny anunciou que estava a reabrir o caso. Um repórter sueco perguntou a Borgstrom porque o caso estava a prosseguir quando já fora abandonado, mencionando uma das mulheres como tendo dito que não fora violada. Ele respondeu: "Ah, mas ela não é uma advogada". O advogado australiano de Assange, James Catlin, respondeu: "Isto é ridículo ... é como se não dessem ouvidos e prosseguissem".

    No dia em que Marianne Ny reactivou o caso, o chefe do serviço de inteligência militar sueco ("MUST") denunciou publicamente a WikiLeaks num artigo intitulado "A WikiLeaks [é] uma ameaça para os nossos soldados". Assange foi advertido de que o serviço de inteligência sueco, SAP, fora prevenido pelos seus colegas dos EUA que os acordos de partilha de inteligência EUA-Suécia seriam "cortados" se os suecos lhe dessem abrigo.

    Durante cinco semanas Assange aguardou na Suécia que a nova investigação seguisse o seu curso. The Guardian estava então em vias de publicar os "War Logs" iraquianos baseados em revelações da WikiLeaks, as quais foram supervisionadas por Assange. O seu advogado em Estocolmo perguntou a Ny se ela tinha alguma objecção a que deixasse o país. Ela disse que ele era livre para deixá-lo.

    Inexplicavelmente, assim que ele deixou a Suécia – no pico do interesse dos media e do público quanto às revelações da WikiLeaks – Ny emitiu um Mandado de Prisão Europeu (European Arrest Warrant) e um "alerta vermelho" da Interpol que normalmente é utilizado para terroristas e criminosos perigosos. Publicado em cinco línguas em todo o mundo, ele assegurou uma media frenética.

    Assange compareceu a uma esquadra de polícia em Londres, foi preso e passou dez dias na Prisão Wandsworth, em confinamento solitário. Libertado com uma fiança de £340 mil, ele foi electronicamente marcado (tagged), foi-lhe exigido comparecer à polícia diariamente e colocado sob prisão domiciliar virtual enquanto o seu caso começava uma longa tramitação no Tribunal Supremo. Ele ainda não fora acusado de qualquer delito. Seus advogados repetiram a sua oferta de ser interrogado pela Ny em Londres, destacando que ela lhe dera permissão para deixar a Suécia. Eles sugeriram um recinto especial na Scotland Yard utilizado para aquela finalidade. Ela recusou.
    Katrin Axelsson e Lisa Longstaff da Women Against Rape escreveram: "As alegações [contra Assange] são uma cortina de fumo atrás da qual um certo número de governos tenta limitar a acção da WikiLeaks por audaciosamente ter revelado ao público seu planeamento secreto de guerras e ocupações com o seu cortejo de violações, assassínios e destruição... As autoridades importam-se tão pouco acerca de violência contra mulheres que manipulam à vontade alegações de violação. [Assange] deixou claro que está disponível para interrogatório por parte das autoridades suecas, na Grã-Bretanha ou via Skype. Por que estão eles a recusar este passo essencial na sua investigação? Do que é que têm medo?"
    Esta pergunta permaneceu sem resposta quando Ny aplicou o European Arrest Warrant (EAW), um produto draconiano da "guerra ao terror" destinado supostamente a apanhar terroristas e criminosos organizados. O EAW aboliu a obrigação de o estado que o pede apresentar qualquer prova de um crime. Mais de um milhar de EAWs são emitidos a cada mês; apenas uns poucos têm algo a ver com acusações de "terror" potenciais. A maior parte é emitida por delitos triviais – tais como cobranças de banco em atraso e multas. Muitos daqueles extraditados enfrentam meses de prisão sem qualquer acusação. Tem havido um número chocante de abusos da lei, em relação aos quais juízes britânicos têm sido altamente críticos.

    O caso Assange finalmente alcançou o Tribunal Supremo do Reino Unidos em Maio de 2012. Num julgamento que matinha o EAW – cujas exigências rígidas haviam deixado os tribunais quase sem espaço de manobra – os juízes descobriram que promotores europeus podiam emitir autorizações de extradição no Reino Unido sem qualquer supervisão judicial, muito embora o Parlamento pretendesse o contrário. Eles tornaram claro que o Parlamento fora "enganado" pelo governo Blair. O tribunal estava dividido, 5-2, e consequentemente dispôs contra Assange.

    Contudo, o Presidente do Tribunal Supremo, Lord Phillips, cometeu um erro. Ele aplicou a Convenção de Viena sobre a interpretação do tratado, permitindo à prática estatal suprimir a letra da lei. Como apontou a advogada de Assange, Dinah Rose QC, isto não se aplicava à EAW.

    O Tribunal Supremo apenas reconheceu este erro crucial quando tratou de um outro recurso contra o EAW em Novembro do ano passado. A decisão Assange foi errada, mas era demasiado tarde para voltar atrás.

    A opção de Assange era drástica: extradição para um país que se havia recusado a dizer se sim ou não o enviaria para os EUA, ou procurar o que parecia sua última oportunidade de refúgio e segurança. Apoiado pela maior parte da América Latina, o corajoso governo do Equador concedeu-lhe o estatuto de refugiado com base na evidência documentada e no conselho legal de que ele enfrentava a perspectiva de punição cruel e anormal nos EUA; que esta ameaça violava seus direitos humanos básicos; e que o seu próprio governo na Austrália o havia abandonado e tornara-se conivente com Washington. O governo trabalhista da primeira-ministra Julia Gillard ameaçara-o mesmo de tomar o seu passaporte.

    Gareith Peirce, a famosa advogada de direitos humanos que representa Assange em Londres, escreveu ao então ministro dos Estrangeiros australiano, Kevin Rudd:
    "Dada a extensão da discussão pública, frequentemente na base de suposições inteiramente falsas... é muito difícil tentar preservar-lhe alguma presunção de inocência. O sr. Assange tem agora pendente sobre ele não uma mas duas espadas de Damocles, a potencial extradição para duas jurisdições diferentes uma após outra por dois diferentes alegados crimes, nenhum dos quais é crime no seu próprio país, e a sua segurança pessoal ficou em risco em circunstâncias que são altamente carregadas em termos políticos".
    Só quando contactou a Alta Comissão Australiana em Londres é que Peirce recebeu uma resposta, a qual nada dizia acerca dos pontos prementes que ela levantara. Numa reunião a que compareci com ela, o Cônsul Geral australiano, Ken Pascoe, fez a afirmação espantosa de que conhecia "apenas o que li nos jornais" acerca dos pormenores do caso.

    Enquanto isso, a perspectiva de uma grotesca perversão da justiça foi submergida numa campanha injuriosa contra o fundador da WikiLeaks. Ataques profundamente pessoais, de baixo nível, viciosos e desumanos foram lançados contra um homem não acusado de qualquer crime mas sujeito a um tratamento que não é dado nem mesmo a alguém que enfrenta extradição sob uma acusação de assassinar a esposa. Que a ameaça estado-unidense a Assange constituía uma ameaça a todos os jornalistas, à liberdade de discurso, ficou perdido de vista na sordidez da campanha.

    Foram publicados livros, feitos negócios com filmes e lançadas carreiras nos media nas costas da WikiLeaks e no pressuposto de que Assange era uma vítima fácil para ataque pois era demasiado pobre para abrir processos. Pessoas ganharam dinheiro, muitas vezes muito dinheiro, enquanto a WikiLeaks lutava para sobreviver. O editor do Guardian, Alan Rusbridger, chamou às revelações do WikiLeaks, as quais foram publicadas pelo seu jornal, "um dos maiores furos jornalísticos dos últimos 30 anos". Tornaram-se parte do seu plano de marketing para aumentar o preço de capa do jornal.

    Sem que fosse um centavo para Assange ou o WikiLeaks, um publicitado livro do Guardian levou a um filme lucrativo de Hollywood. Os autores do livro, Luke Harding e David Leigh, infundadamente descreveram Assange como uma "personalidade estragada" e "insensível". Eles também revelaram a password secreta que ele dera ao jornal em confiança, destinada a proteger um ficheiro digital contendo telegramas de embaixadas dos EUA. Com Assange agora aprisionado na embaixada equatoriana, Harding, nas boas graças da polícia, regozijou-se no seu blog porque "a Scotland Yard pode ter a última gargalhada".

    A injustiça a que foi submetido Assange é uma das razões porque o Parlamento finalmente votará um EAW reformado. O draconiano apanha-tudo utilizado contra ele não podia acontecer agora; acusações teriam de ser apresentadas e "interrogatório" seria base insuficiente para extradição. "O seu caso venceu na perfeição", contou-me Gareth Peirce, "estas mudanças na lei significam que o Reino Unido agora reconhece como correcto tudo o que foi argumentado no seu caso. Mas ele não se beneficia. E a legitimidade da oferta de abrigo do Equador não é questionada pelo Reino Unido ou pela Suécia".

    Em 18 de Março de 2008, um documento secreto do Pentágono preparado pelo "Cyber Counterintelligence Assessments Branch" previa uma guerra contra a WikiLeaks e Julian Assange. O documento descrevia um plano pormenorizado para destruir o sentimento de "confiança" que é o "centro de gravidade" da WikiLeaks. Isto seria alcançado através de ameaças de "revelações [e] processo criminal". O objectivo era silenciar e criminalizar esta fonte rara de jornalismo independente, o método era enlamear. Não há maior fúria infernal do que a de uma grande potência desprezada.
     
    16/Novembro/2014

    Para informação adicional, ver:
  • justice4assange.com/extraditing-assange.html
  • www.independent.co.uk/...
  • https://www.youtube.com/watch?v=1ImXe_EQhUI
  • pdfserver.amlaw.com/nlj/wikileaks_doj_05192014.pdf
  • https://wikileaks.org/59-International-Organizations.html

  • s3.amazonaws.com/s3.documentcloud.org/...

    O original encontra-se em www.globalresearch.ca/the-siege-of-julian-assange-is-a-farce/5414340


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .  
  • sábado, 15 de novembro de 2014

    O mistério de Kobane

    por Pepe Escobar

    As bravas mulheres de Kobane – onde os curdos sírios combatem desesperadamente contra o Estado Islâmico (ISIS) – estão prestes a ser traídas pela “comunidade internacional”. Estas guerreiras também combatem, além dos terroristas do califa Ibrahim, as traiçoeiras agendas dos EUA, Turquia e da administração do Curdistão iraquiano. O que é está de facto a acontecer em Kobane?

    Comecemos por falar de Rojava. O verdadeiro significado de Rojava (as três províncias de maioria curda do norte da Síria) é transmitido neste editorial (em turco) publicado pelo activista encarcerado Kenan Kirkaya. Nele argumenta que há em Rojava, um “modelo revolucionário” que desafia nada menos do que “a hegemonia do sistema capitalista de estado-nação”, muito para além do seu significado regional “para os curdos, ou sírios, ou para o Curdistão”.

    Kobane, uma região agrícola, está no epicentro desta experiência não violenta de democracia, possibilitada por um acordo no início da tragédia síria entre Damasco e Rojava (não apoiem a mudança de regime contra nós, e não vos faremos mal). Aqui, por exemplo, argumenta-se que “se apenas um único aspecto de um verdadeiro socialismo pudesse sobreviver ali, milhões de descontentes seriam atraídos para Kobane”.

    Em Rojava, a tomada de decisões acontece por meio de assembleias populares, multiculturais e multireligiosas. Os três mais altos funcionários em cada municipalidade são um curdo, um árabe e um cristão assírio ou arménio; e pelo menos um destes três deve ser mulher. As minorias não curdas têm suas próprias instituições e falam os seus próprios idiomas.

    Entre uma grande quantidade de conselhos de mulheres e jovens, também há um exército feminista, cada vez mais conhecido, a milícia Estrela YJA (“União de mulheres livres”, a estrela simboliza a deusa mesopotâmica Ishtar).

    O simbolismo não poderia ser mais representativo: pensem nas forças de Ishtar (Mesopotâmia) combatendo as forças do ISIS (originalmente uma deusa egípcia), convertida num califado intolerante. No jovem Século XXI, as barricadas femininas de Kobane estão na vanguarda da luta contra o fascismo.

    Inevitavelmente, deveria haver um bom número de pontos de intersecção entre as Brigadas Internacionais combatendo o fascismo na Espanha, em 1936, e o que está acontecendo em Rojava, conforme destaca um dos pouquíssimos artigos a esse respeito, publicados nos meios de comunicação dominantes ocidentais.

    Se estes componentes não bastaram para enlouquecer wahhabis e takfiris profundamente intolerantes (e os seus poderosos patrocinadores em petrodólares do Golfo), temos a situação política global.

    A luta em Rojava é dirigida essencialmente pelo PYD, que é o ramo sírio do PKK turco, as guerrilhas marxistas em guerra contra Ancara desde os anos 1970. Washington, Bruxelas e a NATO, sob permanente pressão turca, sempre associaram o PYD e o PKK aos “terroristas”.

    Um cuidadoso exame do indispensável livro do líder do PKK Abdullah Öcalan, Confederalismo Democrático, revela que essa equação terrorista/estalinista é um engano (Öcalan está confinado à ilha-prisão de Imrali desde 1999).

    Aquilo por que lutam o PKK e o PYD é o “municipalismo libertário”. De facto, é exatamente o que Rojava tem tentado: comunidades que se governam a si mesmas, que aplicam a democracia directa, utilizando como pilares conselhos, assembleias populares, cooperativas dirigidas pelos trabalhadores; e defendidas por milícias populares. Daí, o posicionamento de Rojava na vanguarda de um movimento mundial de economia/democracia cooperativa, cujo objectivo em última instância seria deixar de lado o conceito de estado-nação.

    Esta experiência não tem lugar politicamente apenas no norte da Síria; em termos militares, foram o PKK e o PYD os que realmente conseguiram resgatar essas dezenas de milhares de yazidis acurralados pelo EI/ISIS no Monte Sinjar, e não as bombas dos EUA, como se dizia. E agora, como relata a co-presidente do PYD, Asya Abdullah, o que é necessário é um “corredor” para romper o cerco de Kobane pelos terroristas do califa Ibrahim.

    O jogo de poder do sultão Erdogan

    Enquanto isso Ancara parece prolongar uma política causadora de problemas com os vizinhos.

    Para o Ministro de Defesa turco, Ismet Yilmaz, “a principal causa do EI é o regime sírio”. E o Primeiro-ministro, Ahmet Davutoglu, que inventou a agora defunta doutrina “zero problemas com os nossos vizinhos”, enfatizou repetidamente que Ancara somente intervirá com tropas em Kobane para defender os curdos se Washington apresentar um “plano pós-Assad”.

    E depois existe um personagem que ultrapassa a realidade: o Presidente turco Tayyip Erdogan, conhecido também como Sultão Erdogan.

    Os decretos do sultão Erdogan são bem conhecidos. Os curdos sírios devem combater contra Damasco, sob o comando dessa criação decadente: o Exército Livre Sírio (que deve ser treinado, precisamente, na Arábia Saudita); devem deixar de lado qualquer ideia de autonomia; devem aceitar docilmente a solicitação turca de que Washington confia numa zona de exclusão aérea sobre a Síria e também uma fronteira “segura” no território sírio. Não é surpreendente que tanto o PYD como Washington tenham rejeitado essas exigências.

    O Sultão Erdogan quer relançar o processo de paz com o PKK; e quer conduzi-lo a partir de uma posição de força. Até agora a sua única concessão foi permitir que peshmergas curdos iraquianos entrassem no norte da Síria, como contrapeso para as milícias do PYD-PKK, e impedir dessa maneira o fortalecimento de um eixo curdo anti-turco.

    Ao mesmo tempo, o Sultão Erdogan sabe que o ISIS/ISIL/Daesh já recrutou até 1 000 possuidores de passaportes turcos, número que continua a aumentar. O seu pesadelo adicional é que a mistura tóxica de resíduos que atinge o “Siraq” se estenda em força, mais cedo do que tarde, para dentro das fronteiras turcas.

    Cuidado com estes bárbaros às portas

    Os terroristas do califa Ibrahim já comunicaram a sua intenção de massacrar e/ou escravizar toda a população civil de Kobane. No entanto, Kobane, per se, não tem nenhum valor estratégico para o ISIS/ISIL/Daesh (foi o que o próprio Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, disse na semana passada; porém depois, previsivelmente, retratou-se). No entanto, o muito persuasivo comandante do PYD está plenamente consciente da ameaça ISIS/ISIL/Daesh.

    Kobane não é essencial, comparada com Deir ez-Zor (que tem um aeroporto que serve o Exército Árabe Sírio) ou Al-Hasakah (que tem campos petrolíferos controlados por curdos com a ajuda do Exército Árabe Sírio). Kobane não tem aeroporto, nem campos petrolíferos.

    Por outro lado, a queda de Kobane geraria uma imensa publicidade positiva adicional para o muito hábil empreendimento do Califa, ampliando a percepção de um exército vitorioso, especialmente entre novos potenciais recrutas, com passaportes da União Europeia, bem como estabelecendo uma sólida base muito próxima da fronteira turca.

    Essencialmente, o que o sultão Erdogan está a fazer é combater tanto Damasco (a longo prazo) como os curdos (a médio prazo), ao passo que realmente abre o caminho (a curto prazo) ao ISIS/ISIL/Daesh. E no entanto, mais adiante, o jornalista turco Fehim Tastekin tem razão: o treino de inexistentes rebeldes sírios “moderados” na tão democrática Arábia Saudita, apenas conduzirá à paquistanização da Turquia. Uma nova versão (mais uma) do cenário ocorrido durante a jihad afegã dos anos 1980.

    Se isto não fosse já suficientemente confuso, numa mudança do terreno de jogo, e revertendo o seu dogma “terrorista”, Washington mantém agora um acordo cordial com o PYD. E isso representa uma dor de cabeça adicional para o sultão Erdogan.

    Estas trocas entre Washington e o PYD ainda mexem. No entanto, alguns factos dizem tudo: mais bombardeamentos dos EUA, mais abastecimentos pelo ar por parte dos EUA (incluindo grandes fracassos, nos quais as novas armas acabam por ficar nas mãos dos terroristas do Califa).

    Não se deve esquecer um facto chave. Enquanto o PYD foi mais ou menos “reconhecido” por Washington, o chefe do PYD, Saleh Muslim, foi reunir-se com o astuto líder do Governo Regional do Curdistão (KRG), Masoud Barzani. Nessa ocasião, o PYD prometeu “compartilhar o poder” com os peshmergas de Barzani no governo de Rojava.

    Os curdos sírios que foram obrigados a abandonar Kobane e a exilar-se na Turquia e que apoiam o PYD não podem voltar à Síria; mas os curdos iraquianos podem ir e voltar. Este suspeito acordo foi negociado pelo chefe de informação do KRG, Lahur Talabani. O KRG, factor crucial, relaciona-se muito bem com Ancara.

    Isto lança mais luz sobre o jogo de Erdogan: quer que os peshmergas, que são ferozes inimigos do PKK, se tornem a vanguarda contra o ISIS/ISIL/Daesh e que dessa forma enfraqueça a aliança PYD/PKK. Mais uma vez, a Turquia vira curdos contra curdos.

    Washington, por sua parte, está a manipular Kobane para legitimar completamente - utilizando uma veia “humanitária” R2P (responsabilidade de proteger) - a sua cruzada contra o ISIS/ISIL/Daesh. Nunca é demais relembrar que todo o assunto começou por um bombardeamento enviesado de Washington sobre o espúrio, fantasmático grupo de Khorasan, que estaria a preparar um novo 11-S. Khorasan, previsivelmente, desapareceu por completo das notícias.

    A longo prazo, a tramóia dos EUA é uma séria ameaça para a experiência de democracia directa em Rojava, que Washington apenas pode interpretar como (Deus nos livre!) um regresso do comunismo.
    Portanto, Kobane é agora um peão crucial num jogo impiedoso manipulado por Washington, Ancara e Erbil. Nenhum desses actores quer que a experiência de democracia directa em Kobane e Rojava tenha êxito, seja expandida e comece a ser conhecida em todo o Sul. As mulheres de Kobane correm um perigo mortal de ser, se não escravizadas, cruelmente traídas.

    E o assunto torna-se ainda mais sinistro quando a acção do ISIS/ISIL/Daesh em Kobane é vista essencialmente pelo que é: uma manobra de diversão, uma armadilha ao governo de Obama. Na realidade, os terroristas do Califa apontam para a província Al-Anbar no Iraque, que já controlam em grande parte, e à crucial cintura de Bagdad. Os bárbaros estão às portas, não apenas de Kobane, mas também de Bagdad.

    aqui:http://www.odiario.info/?p=3462

    quinta-feira, 13 de novembro de 2014

    A troika interna e seus consensos (2)


    por Daniel Vaz de Carvalho [*]

     
    Aquele que conta com apoio estrangeiro, encontrará um amo no seu defensor
    Maquiavel, O Príncipe.

    "Deixai, ó vós que entrais, toda a esperança
    Estas palavras eu vi em letreiro escuro
    Por cima de uma porta escrito"
    A Divina Comédia, Dante, canto III. 3
    3 - O CONSENSO NA UE

    Se Dante voltasse agora ao Inferno aí veria expostos os tratados da UE. Afirmou Lenine que os Estados Unidos da Europa capitalista nunca chegariam a existir. Teve plena razão, a UE tornou-se o caminho para a servidão de países previamente fragilizados.

    A UE não passa de um conjunto de países em crise, divididos, com interesses contraditórios, submetidos a diretórios e burocracias dirigistas não eleitas que procuram a subordinação dos povos a um império euro-atlântico em decadência. Esta burocracia escudada em tratados não referendados, postos em prática com total desconhecimento da generalidade dos cidadãos iludidos com falsas promessas, age como a "Santa Aliança" reacionária do século XIX, fazendo passar por interesse geral a mesquinhez dos seus preconceitos.

    A prioridade é a apropriação do excedente econômico pela oligarquia, impondo a austeridade, o desmantelando das funções económicas e sociais dos Estados, a venda ao desbarato da propriedade pública.

    A Alemanha considera que salva o seu euro controlando os OE dos outros países. É espantoso que isto seja tolerado, mas além do mais é uma mentira: a Alemanha não tem capacidade para salvar o euro, nem para ajudar os outros países. O que pretende é coloca-los na sua órbita, reduzi-los à condição de mão-de-obra barata e sem direitos.

    É neste sentido que a Merkel se arroga o insulto de dizer que Portugal e Espanha têm licenciados a mais. O ministro Crato discorda, mas é precisamente esta a política que está a ser posta em prática pela austeridade, pela emigração forçada e pelos sucessivos cortes de verbas às Universidades e à investigação. Não menos espantoso, é aparecerem "comentadores" a tentar justificar as palavras da chanceler alemã.

    O euro foi feito à medida dos interesses da grande indústria alemã. A moeda única não poderia ter outro efeito senão provocar a acelerada desindustrialização dos países da periferia europeia levando ao bloqueio do seu desenvolvimento. Em 1995 a Balança Corrente alemã tinha um défice de -1,25% do PIB e em 2000, -1,7%, em 2008 já era positiva em +6,2%. Portugal sob a ação de Maastricht e do euro passou no mesmo período de -0,1% do PIB para -12,6%. A partir daqui começaram os PEC e veio a troika. O saldo orçamental da Alemanha era em 2002, -3,8% do PIB, em 2012 +0,1%. Portugal passou no mesmo período de -3,4% do PIB para -6,4%.

    Dizia De Gaulle que em política externa não há ideologias, só interesses. Desenganem-se, pois, os que vão nos cantos de sereia de "mais Europa". Quanto "mais Europa", pior os países têm ficado. A Alemanha e os mais fortes defendem os seus interesses à custa dos mais fracos. Ontem como hoje a expansão alemã só pode ser contida se encontrar pela frente "nações compactas e unidas capazes de manter uma vida nacional independente." (Marx) [1]

    O insultuoso comentário da CE contra um mísero aumento do salário mínimo, que nem sequer foi atualização, não mereceu qualquer reparo do governo – cuja intenção é acabar com o salário mínimo ou torna-lo irrelevante, considerando-o uma "imperfeição do mercado" – mas também o PS se calou.

    É esta a UE para a qual a troika interna se volta em orações, qual Meca dos europeístas. As "orações" do PS não são muito diferentes das do PSD e do CDS, no fundo apelam aos mesmos deuses.

    Por que terão os Estados de pagar juros para se financiarem? Por que não podem emitir moeda e o pode fazer (pelo crédito) a banca privada? Com estas políticas os povos estão indefesos perante os crimes financeiros, a usura e a especulação sobre as suas economias. A pobreza aumenta na UE e nos EUA, apesar dos mais ricos terem cada vez maiores fortunas. Pela financeirização da economia, das privatizações, do serviço de dívida, a oligarquia usurpa em seu benefício as disponibilidades públicas destinadas ao desenvolvimento e à satisfação das necessidades sociais.

    A troika interna unida no seu europeísmo não concebe qualquer política fora do dogmatismo dos tratados europeus, do euro e das ameaças provenientes de um unilateralismo hegemónico em que não existe: "uma nação um voto" mas seis países podem fazer maioria e ditar aos demais o que bem aprouver aos que detêm a hegemonia. É "a Europa a falar a uma só voz" que os propagandistas do sistema proclamaram como prioridade essencial.

    O PS parece não ter consciência desta situação ou conforma-se com a chantagem dos interesses dominantes sem ter em conta as contradições do fundamentalismo neoliberal da UE. Quaisquer que sejam as suas "boas intenções", logo ignoradas perante as pressões do grande capital.

    O PS pode ter as ilusões e sonhos europeus que quiser, mas que fazer deste país? A questão que se coloca é: qual o plano B que o PS propõe para defender os interesses nacionais se as suas quimeras europeístas não se concretizarem? Não existe, tal como o PSD e o CDS não o têm.

    Nada indica que a Alemanha esteja disposta a alterar o que quer que seja das suas políticas, além de alguma cosmética, mas até agora nem isso. Muito pelo contrário, quer o seu reforço e um "ministro das Finanças da UE" ao serviço dos seus interesses. Aliás a atual CE é constituída por gente devotada à ortodoxia neoliberal e à hegemonia alemã. Ao anúncio da França e da Itália excederem o défice orçamental permitido de 3%, logo a Alemanha impôs: "todos têm de cumprir", secundada pela CE, obrigando esses países a aplicar mais medidas de austeridade. "Mais Europa" e federalismo não são mais que processos de espoliação da riqueza e da soberania dos povos que deixam de poder determinar o seu presente e o seu futuro.

    A. Costa fala em aplicar forma "flexível e inteligente" o absurdo, iníquo e classificado como estúpido, tratado orçamental. Mas qual é a forma flexível de interpretar um tratado que condena ao atraso e estagnação os países com menor desenvolvimento, um tratado que dá plena liberdade, sem apelo, à CE para aplicar multas e reter verbas aos países "não cumpridores"? Será "forma flexível" o país passar a mendigar exceções permanentemente, à custa de compromissos e cedências? A forma inteligente e patriótica de o aplicar é recusá-lo.



     
    "O socialismo burguês resume-se precisamente nesta afirmação: os burgueses são burgueses no interesse da classe operária".
    C. Marx e F. Engels, Manifesto

    "Haverá entre os partidos burgueses, ainda entre os que se reputam de mais radicais, um só que subscreva tal programa? Não há, porque ele implica a destruição da sociedade de que eles são os naturais representantes. Radicais abstratos, os jacobinos recuam diante desta tremenda realidade com tanto horror como os conservadores. Um jacobino é um conservador incoerente com frases de demagogo. (…) Burgueses radicais a vossa república não é mais que a república do capital assim como a monarquia dos conservadores não é mais que a monarquia do capital"
    Antero de Quental [2]
    4 – O CONSENSO NA ALTERNÂNCIA

    De que programa falava Antero? Falava da "alteração radical da ordem económica", "o fim do reinado da usura, a soberania do trabalho organizado, a igualdade económica, a organização do crédito como função coletiva". Não podia ser mais atual. E que parte deste programa subscreve sem evasivas o PS hoje? Pela sua prática e declarações, nenhuma, rendido aos critérios do BCE, á neoliberal "economia do lado da oferta", aos monopólios privados, à banca privada.

    PS, PSD e CDS saudaram a troika, o PS comprometeu-se com o "memorando" como se fosse a salvação nacional: tratou-se apenas de salvar a finança nacional e estrangeira e submeter o país ainda mais ao jugo da oligarquia.

    A. Costa fala em "romper com a visão a curto prazo, reunir vontades, construir compromissos, mobilizar energias em torno de uma nova agenda mobilizadora", mas que no final se resume a "fomentando o empreendedorismo, a inovação, fortalecendo as empresas e apoiar a sua internacionalização" ( Público, 26/07/2014). Eis um conjunto de frases destituídas de conteúdos concretos que o PSD e o CDS nunca se cansaram de repetir. Vale como voluntarismo destituído de substância. A questão é que nenhum dos partidos da troika interna diz o "como".

    Estes partidos pensam obter resultados diferentes com os mesmos processos. Fazem crer que se podem resolver problemas com os mesmos critérios que os originaram, apenas variando a forma como são executados os processos que o sistema admite. Estamos no domínio da alquimia política.

    A política de direita desgovernou o país, atingiu com o governo PSD-CDS foros do inconcebível em termos de incompetência, falsidades e abandono dos interesses nacionais. Na realidade, aprofundou – como é da sua natureza de classe – as políticas encetadas pelo PS.

    A degradação política da direita/extrema-direita no governo é tal que se aplica o princípio de que uma mão lava a outra: os escândalos, as mentiras, o descalabro das instituições públicas, os resultados desastrosos para o país e para a vida das pessoas, atingiram tal nível, que a sua vertiginosa sequência leva a que umas façam esquecer as outras e acabem por provocar confusão e apatia em boa parte da opinião pública. Acresce a retórica de uma maioria que manipula dados e apresenta opiniões como se fossem verdades comprovadas.

    As tergiversações do PS colocaram o país na mão de tartufos que se empenham em conversas sobre empreendedorismo e põem em prática trabalho cada vez mais precário, jovens qualificados com salários de miséria, despedimentos massivos de trabalhadores experientes. Com o poder económico e financeiro nas mãos da oligarquia as críticas do PS ao governo PSD-CDS, são tanto mais veementes quanto mais inúteis de facto, pois recusa o papel interventivo das massas populares e compromissos à sua esquerda.

    O PS afirma pôr fim à austeridade e ter crescimento, sem clarificar que para isso é preciso enfrentar a finança, romper com os atuais tratados da UE e com o euro. Difunde a miragem de "sinais positivos" na UE, diz que fará acordos à esquerda e à direita. Tal não passa da habitual máscara para captar votos à sua esquerda. Máscara que caiu rapidamente quando o PCP apresentou na AR propostas sobre renegociação da dívida, debate sobre a saída do euro, controlo público sobre a banca.

    Diga-se que eram propostas muito moderadas, embora fundamentais para o país sair do impasse da crise. Pois bem, o PS votou contra todas ao lado do PSD e do CDS; PCP, PEV, a favor, o BE a favor, exceto na questão do euro em que se absteve. A posição do PS é reveladora das suas ambiguidades, aliado no essencial à sua direita.

    Podia não estar de acordo com os considerandos ou a forma do PCP abordar as questões, mas podia pelo menos mostrar concordância de princípio com a necessidade de debater aquelas questões. Então teria optado pela abstenção. Mas não, votou ao lado do PSD e do CDS. Foi a troika interna a funcionar. É caso para pensar que os oligarcas, especuladores e agiotas, podem contar com o sr. António Costa e o seu PS!

    Quando o PSD e CDS se afundam no descrédito, o PS substitui-os mantendo políticas idênticas. Quando o PS se afunda, o PSD-CDS substituem-no aprofundando as mesmas políticas. Também aqui se pode dizer que uma das mãos lava a outra. É a alternância sem alternativas.

    Estas políticas mergulharam Portugal, bem como a generalidade dos países da UE, na estagnação económica, aumento da pobreza e das desigualdades estruturais. O Estado democrático é a única entidade que pode proteger os cidadãos e promover o seu desenvolvimento, não a finança nem a burocracia europeia. Não há portanto alternativa credível que não se baseie num programa que tenha como princípios o reconhecimento da soberania constitucional, económica e monetária do nosso país.
     

    A primeira parte deste artigo encontra-se aqui

    [1] Revolução e Contra-revolução na Alemanha, Obras Escogidas de Marx e Engels, Ed. Progresso, Moscovo, 1973, p. 372. O texto terá sido escrito por Engels, revisto e assinado por Marx para publicação no New York Daily Tribune.
    2 - Antero Quental, Carta à Comissão Eletiva do PS em 1880, Seara Nova, agosto de 1971, segundo Cartas de Antero Quental, Coimbra, 1921, p. 92 e 93


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/


    aqui:http://resistir.info/v_carvalho/troika_interna_2.html 

    Publicação em destaque

    Marionetas russas

    por Serge Halimi A 9 de Fevereiro de 1950, no auge da Guerra Fria, um senador republicano ainda desconhecido exclama o seguinte: «Tenh...