Imaginem que o Pravda publicasse na
primeira página os resultados de um estudo feito pela KGB que tivesse
avaliado os resultados de todas as grandes operações terroristas que o
Kremlin tivesse comandado ao redor do mundo, como parte do esforço para
descobrir o que levou cada 'ação' dessas ao sucesso ou ao fracasso, e
estudo que, no final, concluísse que, desgraçadamente, atos terroristas
raramente 'dão certo' e de tal modo tendem a 'dar errado' que, hoje,
seria muito mais recomendável [o Kremlin recomendando!] repensar a
política e as vias políticas, em vez de fazer terrorismo.
Imaginem também que o artigo citasse o presidente Putin, o qual dissesse que havia encomendado esse estudo à
KGB
para descobrir casos de “financiamento e apoio com armas e munição a
insurgentes ativos dentro de país estrangeiro e que tivessem realmente
dado certo. E a
KGB [Putin falando] não conseguiu encontrar
grande coisa.” E que, por isso [Putin] relutava um pouco em repetir
novos esforços terroristas.
Se – embora seja quase inimaginável
– artigo desse tipo aparecesse publicado na imprensa, se ouviriam
muitos gritos de ultraje e indignação que clamariam aos céus; e a Rússia
seria amargamente criticada, condenada (e até coisa pior!) não só pelo
terrível currículo como terrorista ativíssimo, afinal abertamente
confessado, mas, também, por a classe política russa não mostrar nenhuma
preocupação e nenhuma indignação, exceto pelo fato de o terrorismo de
estado russo funcionar muito mal, e para ordenar que as práticas
terroristas fossem aprimoradas.
Tudo isso é muito difícil de
imaginar. Artigo desse tipo nunca seria publicado. O problema é que o
tal artigo existe e foi publicado. De diferente, só um pequeno detalhe:
apareceu publicado no
New York Times – e é quase exatamente o tal artigo impossível.
Dia 14/10, a matéria de primeira página do
New York Times tratava de um estudo feito pela
CIA em que a
Agência examina as principais ações terroristas comandadas pela Casa Branca em todo o mundo, num esforço para conhecer os fatores que levaram cada ação terrorista ao sucesso ou ao fracasso; e a
CIA
concluiu que, que, desgraçadamente, atos terroristas raramente ‘dão
certo’ e de tal modo tendem a ‘dar errado’ que, hoje, seria
indispensável repensar a política e as vias políticas, em vez de fazer
terrorismo.
E o artigo cita o presidente Obama, o qual diz que havia encomendado esse estudo à
CIA
para descobrir casos de “financiamento e apoio com armas e munição a
insurgentes ativos dentro de país estrangeiro e que tivessem realmente
dado certo. E a
CIA [é Obama falando] não conseguiu encontrar
grande coisa.” E que, por isso [Obama] relutava um pouco em repetir
novos esforços terroristas.
Não se ouviu nenhum grito de ultraje; indignação zero, nada.
A conclusão é clara. Na cultura política ocidental dá-se por natural e
adequado que o Líder do Mundo Livre governa um estado-bandido terrorista
e pode proclamar abertamente sua eminente liderança na prática de tais
crimes. E dá-se por perfeitamente natural e adequado que o professor de
Direito Constitucional e laureado com o Prêmio Nobel da Paz que tem as
rédeas do poder só se deva preocupar com praticar com mais eficácia, o
mesmo velho terrorismo de sempre.
Basta examinar mais de perto, para ter certeza que as conclusões a extrair são exatamente essas.
O artigo começa citando abertamente as operações [terroristas] dos EUA
“de Angola a Nicarágua e a Cuba.” Acrescentemos um pouco do que o jornal
omitiu.
Em Angola, os EUA uniram-se à África do Sul no apoio
crucial ao UNITA, exército do terrorista Jonas Savimbi, e continuaram a
apoiar aqueles terroristas mesmo depois de Savimbi já ter sido
completamente derrotado numa eleição livre e cuidadosamente fiscalizada e
até depois de a própria África do Sul já ter deixado de apoiar aquele
“monstro cuja ânsia de poder trouxe terrível miséria para seu próprio
povo” – nas palavras do embaixador britânico em Angola Marrack Goulding,
secundado pelo chefe da estação da
CIA na vizinha Kinshasa, o
qual já alertara que “não foi boa ideia” apoiar o citado monstro, “por
causa da extensão dos crimes de Savimbi. Era homem terrivelmente
brutal.”
Apesar das operações terroristas extensivas e
violentíssimas apoiadas pelos EUA em Angola, forças cubanas conseguiram
expulsar do país os agressores sul-africanos, os obrigaram a deixar
também a Namíbia que ocupavam ilegalmente, e abriram caminho para a
eleição em Angola na qual, depois de derrotado, Savimbi “desconsiderou
completamente a avaliação feita por quase 800 observadores estrangeiros
que acompanharam as eleições, para os quais as eleições haviam sido
livres e justas” (
New York Times), e continuou a sua guerra terrorista com o apoio dos EUA.
Os feitos heroicos dos cubanos na libertação da África e no fim do
apartheid foram saudados por Nelson Mandela, quando afinal deixou a
prisão. Dentre seus primeiros atos, Mandela declarou que “durante todos
os meus anos de prisão, Cuba foi uma inspiração, e Fidel Castro, uma
torre de fortaleza (...)[as vitórias cubanas] destruíram o mito da
invencibilidade do opressor branco e inspiraram as lutas de massas da
África do Sul (...) ponto de virada para a libertação de nosso
continente – e do meu povo – do flagelo do apartheid. (...) Que outro
país pode apresentar histórico de mais desapego e desprendimento que
Cuba, em suas relações com a África?”
Bem diferente disso, o comandante terrorista Henry Kissinger ficou “apoplético” ante a insubordinação do “
pipsqueak” [
nulidade; zé-ninguém; meia-leca] Castro, que tinha de ser “esmagado”, como registram William Leogrande e Peter Kornbluh em seu livro
Back Channel to Cuba, a partir de
documentos recentementes liberados para conhecimento público.
Voltando à Nicarágua, é preciso não esquecer a guerra terrorista de
Reagan, que prosseguiu ainda bem depois de a Corte Internacional de
Justiça ter ordenado a Washington que cessasse seu “uso ilegal da força”
– quer dizer: terrorismo internacional – e pagasse reparação
substancial, e depois de já haver projeto de resolução do Conselho de
Segurança da ONU conclamando todos os estados (de fato, só os EUA) a
respeitar a lei internacional, que foi vetada por Washington.
Mas é preciso reconhecer que a guerra terrorista de Reagan contra a
Nicarágua – à qual Bush-pai, “o Bush estadista” – não foi tão destrutiva
quando o terrorismo de estado que o mesmo Reagan patrocinara
entusiasticamente em El Salvador e na Guatemala. A Nicarágua teve a
vantagem de contar com um exército para enfrentar as forças terroristas
comandadas pelos EUA, enquanto nos países vizinhos os terroristas que
assaltavam a população eram as forças de segurança armadas e treinadas
por Washington.
Em algumas semanas estaremos comemorando o
Grand Finale
das guerras terroristas de Washington na América Latina: o assassinato
de seis importantes intelectuais latino-americanos, sacerdotes jesuítas,
por uma unidade terrorista de elite do exército salvadorenho, o
Batalhão Atlacatl, armado e treinado por Washington, agindo sob ordens
explícitas do Alto Comando, e com longo currículo de massacres das
vítimas de sempre.
Esse crime chocante, cometido dia
16/11/1989, na Universidade Jesuíta em San Salvador foi o ápice da
terrível praga terrorista que se espalhou pelo continente depois que
John F. Kennedy mudou a missão dos militares latino-americanos, de
“defesa hemisférica” – relíquia já ultrapassada da 2ª Guerra Mundial –
para “segurança interna”, o que significa: guerra contra a população
doméstica, dentro de cada país.
Resultado disso aparece
descrito sucintamente por Charles Maechling, que comandou o planejamento
da contrainsurgência e defesa interna dos EUA, de 1961 a 1966. Ele
fala da decisão de Kennedy, em 1962, como mudança de “tolerância com os
roubos e a crueldade entre os militares latino-americanos”, para
“cumplicidade direta” nos crimes dos mesmos militares, a ponto de os EUA
garantirem apoio “aos métodos de Heinrich Himmler dos
esquadrões-da-morte.”
Tudo isso está esquecido, exceto “o tipo certo de fatos”.
Em Cuba, as operações terroristas de Washington foram lançadas a pleno
furor pelo presidente Kennedy, para punir os cubanos por terem derrotado
a invasão da Baía dos Porcos comandada pelos EUA. Como escreve o
historiador Piero Gleijeses, JFK “ordenou a seu irmão, o advogado-geral
Robert F. Kennedy (RFK), que comandasse o grupo de alto nível
inter-agências que concebeu a Operação
Mongoose [fuinha], um
programa de operações paramilitares, guerra econômica e sabotagem, que
ele lançou no final de 1961, para impor ‘os terrores da Terra’ a Fidel
Castro, ou, dito mais prosaicamente, para derrubá-lo do governo.”
A expressão “terrores da terra” é citada pelo historiador Arthur
Schlesinger, sócio de RFK, na biografia semioficial que escreveu dele.
RFK informou à
CIA que o problema cubano passava a ser “a
principal prioridade do governo dos EUA – tudo o mais é secundário –, e
não se deve desviar nenhum minuto, nenhum esforço, nenhuma capacidade
humana” do esforço para derrubar o governo de Castro e levar ‘os
terrores da Terra’ a Cuba.”
A guerra terrorista lançada pelos
irmãos Kennedy não foi coisa pequena. Envolveu 400 norte-americanos, 2
mil cubanos, uma esquadra privada de barcos rápidos e orçamento anual de
$50 milhões, controlado em parte por uma base da
CIA que operava em Miami, em violação do Ato de Neutralidade e, presumivelmente, violando também a lei que proíbe operações da
CIA
dentro dos EUA. As operações incluíram bombardeamento de hotéis e
instalações industriais, afundamento de barcos pesqueiros, envenenamento
de rebanhos e de plantações, contaminação de estoques de açúcar
exportados, etc. Algumas dessas operações não foram especificamente
autorizadas pela
CIA, mas executadas pelas forças terroristas que a
CIA fundara e financiava, diferença que nada significa no caso de ação contra inimigos oficiais.
As operações terroristas
Mongoose
foram comandadas pelo general Edward Lansdale, que tinha ampla
experiência em operações terroristas comandadas pelos EUA nas Filipinas e
no Vietnã. O trabalho da “Operation Mongoose” era gerar “revolta aberta
e derrubar o regime comunista” em outubro de 1962, o que, para “sucesso
definitivo exigirá intervenção militar decisiva dos EUA”, depois que o
terrorismo e a subversão tivessem preparado o terreno.
Outubro
de 1962 é, claro, momento muito significativo na história moderna.
Naquele mês, Nikita Khrushchev enviou mísseis para Cuba, desencadeando a
crise dos mísseis que chegou ameaçadoramente perto de uma guerra
nuclear terminal. Especialistas reconhecem hoje que Khrushchev foi
motivado em parte pela imensa preponderância dos EUA em termos de força,
depois que Kennedy respondeu aos seus pedidos para reduzirem as armas
ofensivas, aumentando ainda mais a vantagem dos EUA, e em parte por
preocupação de que os EUA pudessem invadir Cuba. Anos depois, o
secretário de Defesa de Kennedy, Robert McNamara, reconheceu que Cuba e
Rússia tiveram razões para temer um ataque. “Se eu estivesse no lugar
dos cubanos ou soviéticos, teria pensado como eles” – disse McNamara
numa conferência internacional nos 40 anos da crise dos mísseis.
O muito respeitado analista político Raymond Garthoff, que teve muitos
anos de experiência direta na inteligência dos EUA, relata que, nas
semanas antes de a crise de outubro eclodir, um grupo de cubanos
terroristas que operavam da Flórida com autorização dos EUA executou “um
ousado ataque com barcos rápidos contra um hotel cubano próximo ao mar,
nos arredores de Havana, onde se sabia que se reuniam técnicos
militares soviéticos, matando grande número de russos e cubanos.” E
pouco depois, continua Garthoff, as forças terroristas atacaram navios
cargueiros britânicos e cubanos e outra vez invadiram Cuba, dentre
outras ações cuja frequência aumentava no início de outubro. Num
momento tenso da ainda não solucionada crise dos mísseis, dia 8 de
novembro, uma equipe de terroristas enviada pelos EUA explodiu uma
instalação industrial em Cuba, depois de as operações
Mongoose já
estarem oficialmente suspensas. Fidel Castro disse que 400
trabalhadores morreram nesse ataque, guiado por “fotografias feitas por
aviões espiões”. Atentados para tentar assassinar Castro e outros
ataques terroristas continuaram a acontecer imediatamente depois de a
crise estar terminada, e escalaram novamente em anos posteriores.
Houve algumas poucas notícias de uma parte bem menor da guerra
terrorista, muitos atentados para assassinar Castro, em geral deixadas
rapidamente de lado como trapalhadas infantis da
CIA. Além disso, nada do que aconteceu jamais atraiu muito interesse ou comentários nos EUA.
A primeira investigação séria, em idioma inglês, sobre o impacto
daquelas ações sobre os cubanos foi publicada em 2010 pelo pesquisador
canadense Keith Bolender, em seu
Voices From The Other Side: An Oral History Of Terrorism Against Cuba, estudo valioso, largamente ignorado.
Os três exemplos considerados na matéria do
New York Times
sobre o terrorismo norte-americano são só a ponta do iceberg. Mesmo
assim, é útil ver esse muito claro e significativo reconhecimento de o
quanto Washington é dedicada a operações do terrorismo mais mortífero e
destruidor, e do pouco, praticamente nada, que essa ação terrorista dos
EUA significa para a classe política, que aceita como normal e adequado
que os EUA se apresentem ante o mundo como superpotência terrorista,
imune a leis e normas civilizadas.
Muito estranhamente, o mundo
não pensa como a classe política norte-americana. Pesquisa
internacional distribuída ano passado pelo Worldwide Independent
Network/Gallup International Association (WIN/GIA) descobriu que os EUA
ocupam o primeiro lugar, de longe, como “maior ameaça contra a paz
mundial hoje”, muito à frente do Paquistão, segundo colocado (certamente
inflado pelo voto dos indianos), e nenhum outro país sequer se aproxima
desses dois.
Felizmente, os norte-americanos foram poupados, e não tiveram de tomar conhecimento dessa informação insignificante.
Fonte: Telesur.
aqui:
http://www.diarioliberdade.org/opiniom/outras-vozes/51996-eua-s%C3%A3o-o-maior-estado-terrorista-do-planeta.html