quarta-feira, 25 de abril de 2012

Marx

"Chegou finalmente um tempo, em que tudo o que os homens consideravam inalienável se tornou objecto de troca, de trafico e podendo ser alienável. Tempo em que as coisas que até então eram comunicadas nunca trocadas, oferecidas mas nunca vendidas, adquiridas nunca compradas - virtude, opinião, ciência, consciência, etc - tudo passou finalmente para comerciável. É o tempo da corrupção generalizada, da venalidade universal, ou, para falar em termos de economia politica, o tempo em que qualquer coisa, moral ou física, se tornou num valor venal, levada ao mercado para ser apreciado ao seu justo valor".
(Karl Marx)

A actual classe dominante nunca será capaz de resolver a crise, porque ela é a crise!

A actual classe dominante nunca será capaz de resolver a crise, porque ela é a crise! E não falo apenas da classe política, mas da educacional, da que controla os media, da financeira, etc. Não vão resolver a crise porque a sua mentalidade é extremamente limitada e controlada por uma única coisa: os seus interesses. Os políticos existem para servir os seus interesses, não o país. Na educação, a mesma coisa: quem controla as universidades está ali para favorecer empresas e o Estado. Se algo não é bom para a economia, porquê investir dinheiro?

No geral, os media já não são o espelho da sociedade nem informam de facto as pessoas do que se está a passar, existem sim para vender e vender e vender.

A identidade das pessoas não depende do que elas são, mas do que têm. Quando se torna tão importante ter coisas, serves um mundo comercial, porque pensas que a tua identidade está relacionada com isso. Estamos a criar seres humanos vazios que querem consumir e ter coisas e que acabam por se vestir e falar todos da mesma forma e pensar as mesmas coisas. E a classe dominante está muito mais interessada em que as pessoas liguem a isso do que ao que importa.

Se as pessoas fossem um bocadinho mais espertas, não iriam para universidades estúpidas, nem veriam programas estúpidos na TV. Existe uma elite comercial e política interessada em manter as pessoas estúpidas. E isso é vendido como democracia, porque as pessoas são livres de escolher e blá blá.

Se não fores crítico perante a sociedade mas também perante ti próprio, nunca serás livre, serás sempre escravo. Daí que o que estamos a viver não tenha nada a ver com democracia.

Percebemos que há coisas erradas no sistema de educação.

Porque não está interessado na pessoa que tu és, mas no tipo de profissões de que a economia precisa. Se o preço é falta de qualidade, se o preço é falta de dignidade humana, é haver tanta gente jovem sem instrumentos para lidar com a vida e para descobrir por si própria o sentido da vida ou que significado pode dar à sua vida, então criamos o “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley.

O que temos de enfrentar é: se toda a gente vai à escola, se toda a gente sabe ler, se tanta gente tem educação superior, como é que continuam a acreditar nestas porcarias sem as questionar? E porque é que tanta gente continua a achar que quando X ou Y está na televisão é importante, ou quando X ou Y é uma estrela de cinema é importante, ou quando X ou Y é banqueiro e tem dinheiro é importante?

Se tirarmos as posições e o dinheiro a estas pessoas, o que resta? Pessoas tacanhas e mesquinhas, totalmente desinteressantes. Mas mesmo assim vivemos encantados com a ideia de que X ou Y é importante porque tem poder. É a mesma lengalenga de sempre: é pelo que têm e não pelo que são, porque eles são nada. E a educação também é sobre o que podes vir a ter e não sobre quem podes vir a ser.

O medo da elite comercial é que as pessoas comecem a pensar. Porque é que os regimes fascistas querem controlar o mundo da cultura ou livrar-se dele por completo? Porque o poeta é a pessoa mais perigosa que existe para eles. Provavelmente mais perigoso que o filósofo. Quando usam o argumento de que a cultura não é importante e de que a economia não precisa da cultura, é mentira! Isso são as tais políticas de ressentimento, um grande instrumento precisamente porque eles nos querem estúpidos.

Excertos de uma entrevista de Rob Riemen, filósofo holandês, ao jornal "i".

http://www.ionline.pt/mundo/rob-riemen-classe-dominante-nunca-sera-capaz-resolver-crise-ela-crise-1

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Dependência

PORTUGAL importou quase o dobro da comida e bebida que exportou em 2011.

Alguém deveria ter previsto este efeito quando Portugal desmantelou, diligentemente, as estruturas produtivas na agricultura, nas pescas e na indústria. Alguém deveria prever que a subserviência aos ditames de Bruxelas, para que Portugal aderisse à Comunidade Europeia como mero cliente dos monopólios alemães e franceses, iria resultar na penhora da independência alimentar do País. Alguém deveria ter resistido, usado o veto que Portugal jamais usou, defendendo os interesses nacionais em vez de se sujeitar à exploração multinacional. Alguém deveria ter percebido que o País ganha mais em semear batatas do que em plantar betão, em plantar do que em arrancar, em construir do que em destruir, em armar barcos de pesca do que em armar ao pingarelho do novo-riquismo que endividou o País.

A verdade é que Portugal destruiu quase tudo o que produzia em troco da ilusão dos fundos para sementeiras de betão e plantações de subsídios, enquanto abatia a frota pesqueira numa batalha naval suicida. Foi aí que o País começou a ir ao fundo, guiado por timoneiros formados e subordinados por interesses alheios. Os ministros tomavam posse com objectivos bem definidos: ao ministro das pescas competia-lhe liquidar a actividade pesqueira; ao da agricultura cabia-lhe desmantelar a produção e comercialização de cereais, de leite, de hortícolas; ao da indústria era cometida a função de reconstituir os velhos monopólios que depois se reorganizariam segundo os pontos de vista do lucro e da acumulação e nos termos dos condicionalismos europeus, mais drásticos que o condicionalismo industrial.

E agora o País queixa-se. A quem? Aos timoneiros da dependência.


Por João Paulo Guerra

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O que há a dizer.

Porque guardo silêncio, há demasiado tempo,
sobre o que é manifesto
e se utilizava em jogos de guerra
em que no fim, nós sobreviventes,
acabamos como meras notas de rodapé.

É o suposto direito a um ataque preventivo,
que poderá exterminar o povo iraniano,
conduzido ao júbilo
e organizado por um fanfarrão,
porque na sua jurisdição se suspeita
do fabrico de uma bomba atómica.

Mas por que me proibiram de falar
sobre esse outro país [Israel] onde há anos
– ainda que mantido em segredo –
se dispõe de um crescente potencial nuclear,
que não está sujeito a qualquer controlo,
já que é inacessível a qualquer inspecção?

O silêncio geral sobre esse facto,
a que se sujeitou o meu próprio silêncio,
sinto-o como uma gravosa mentira
e coacção que ameaça castigar
quando não é respeitada:
“anti-semitismo” se chama a condenação.

Agora, contudo, porque o meu país,
acusado uma e outra vez, rotineiramente,
de crimes muito próprios,
sem quaisquer precedentes,
vai entregar a Israel outro submarino
cuja especialidade é dirigir ogivas aniquiladoras
para onde não ficou provada
a existência de uma única bomba,
se bem que se queira instituir o medo como prova… digo o que há a dizer.

Por que me calei até agora?
Porque acreditava que a minha origem,
marcada por um estigma inapagável,
me impedia de atribuir esse facto, como evidente,
ao país de Israel, ao qual estou unido
e quero continuar a estar.

Por que motivo só agora digo,
já velho e com a minha última tinta,
que Israel, potência nuclear, coloca em perigo
uma paz mundial já de si frágil?

Porque há que dizer
o que amanhã poderá ser demasiado tarde,
e porque – já suficientemente incriminados como alemães –
poderíamos ser cúmplices de um crime
que é previsível,
pelo que a nossa quota-parte de culpa
não poderia extinguir-se
com nenhuma das desculpas habituais.

Admito-o: não vou continuar a calar-me
porque estou farto
da hipocrisia do Ocidente;
é de esperar, além disso,
que muitos se libertem do silêncio,
exijam ao causante desse perigo visível
que renuncie ao uso da força
e insistam também para que os governos
de ambos os países permitam
o controlo permanente e sem entraves,
por parte de uma instância internacional,
do potencial nuclear israelense
e das instalações nucleares iranianas.

Só assim poderemos ajudar todos,
israelenses e palestinos,
mas também todos os seres humanos
que nessa região ocupada pela demência
vivem em conflito lado a lado,
odiando-se mutuamente,
e decididamente ajudar-nos também.

por Günter Grass

[*] Prémio Nobel de Literatura, autor de O tambor e A ratazana.

O original foi publicado no diário Süddeutsche Zeitung , assim como em The New York Times e no jornal italiano La Reppublica. A tradução para português encontra-se em Jornal de Negócios.

Este poema encontra-se em http://resistir.info/ .

quarta-feira, 4 de abril de 2012

O governo não sabe o que faz.

Tudo é mau em Portugal. A começar pela vida e a continuar no Governo. E desconhece-se quando e onde o mau vai terminar. O desemprego cresce na directa proporção em que os assaltos aumentam. O poder possui uma visão fantasmagórica do que se passa, e inscreveu as suas decisões numa perspectiva de terror. As diferenças com uma espécie particular de totalitarismo são escassas.


Começa a ser cada vez mais nítido: o Governo não sabe o que faz, nem possui nenhuma estratégia de solução dos nossos problemas. E o ministro da Finanças dá sinais enervantes de cansaço, a que muitos qualificados economistas designam de desfasamento com a realidade, e outros, de incompetência. Passos Coelho anunciou uma linha ferroviária europeia, que não vai existir porque sem continuação em Espanha; o governador do Banco de Portugal assevera que vamos precisar de mais "austeridade" e o primeiro-ministro diz que não, antes pelo contrário; uma reunião, anteontem, na Concertação Social traduziu-se numa barafunda atroz, na qual o pobre João Proença, esquemático e atrapalhado, surgiu como uma criatura, manipulada pelas suas próprias ambivalências. Então ele não sabia que, depois de subscrever aquele infausto documento, sobre as leis do trabalho, que outras coacções se lhe seguiriam? Os cortes na Saúde, que deixam sem tratamento doentes oncológicos, e a diminuição de dias nas baixas por doença, são capítulos de um processo de reversão que põe em causa o próprio Estado Social. Quem for cúmplice deste projecto de demolição dificilmente poderá dizer-se respeitador da ética progressista e do humanismo.

Os próprios patrões começam a espavorir-se com as "indecisões" do Governo, que nada faz para realizar uma política de crescimento e de desenvolvimento económicos. Além de tentar ser fiel a uma ideologia que põe a Europa em perigo, este Executivo demonstra o desprezo sem limites pelo cidadão e pelas suas ansiedades. Apesar de aproveitar de dispositivos de coerção quase nunca vistos. Estamos a emigrar em massa, como na década de 60; e a despovoar o País sem dó nem piedade. Estamos, sobretudo, a subverter o próprio conceito de identidade, e obrigados a desfazer-nos da narrativa que nos diferenciou.

O PS, por seu turno, ainda não encontrou o enquadramento ideológico que forneça ao debate público um interesse sobrelevante de questões insignificantes. Seguro entrou na questiúncula provocada pelo Marcelo, que teceu, na TVI, uma teia reticular de intriga, tão ao seu gosto e estilo. E o secretário-geral socialista, em vez que resolver o berbicacho com um displicente: "Não comento o que dizem os comentadores", embrenhou-se em explicações desnecessárias. Logo o Marcelo ameaçou responder, no próximo domingo.

Que interesse tem isto para as pessoas?

por Baptista Bastos, DN

domingo, 1 de abril de 2012

A centralidade ignorada do pico petrolifero

É um dos paradoxos da nossa época que a questão mais importante do século XXI, aquela que vai marcar a nossa geração e todas as que hão de vir, seja quase totalmente ignorada pela maior parte dos mass media, dos responsáveis políticos, dos economistas e a generalidade da população. Refiro-me ao Pico de Hubbert, ou Pico máximo da produção petrolífera possível no mundo.

Se o petróleo barato e abundante permitiu o desenvolvimento acelerado do mundo no século XX, a situação de penúria no século XXI anuncia um quadro económico totalmente diferente pois não existe qualquer substitutivo para a quantidade de petróleo agora (ainda) consumida pelo mundo (cerca de 85 milhões de barris por dia).

O fim anunciado da era do petróleo marca um momento crucial e decisivo nos destinos da humanidade, assinala um novo paradigma histórico. Ele provoca problemas muito complicados e que começam desde já. Após o fim, nada será como dantes – mas muito antes do fim o problema começa já a manifestar-se.

Tal como nos romances de mistério, o melhor esconderijo para um objecto é um lugar que está à vista de todos. No caso do Pico Petrolífero, ele também está à vista de todos – mas parece que poucos o vêem. Praticamente TUDO da história contemporânea pode ser explicado e entendido à luz do Pico Petrolífero – é a questão central do nosso tempo.

Na verdade, pode-se classificar todos os países produtores de petróleo do mundo em duas grandes categorias: aqueles que já atingiram o Pico (a grande maioria, México inclusive) e os que ainda não o atingiram. Estes últimos são constituídos por poucos países, a maior parte deles pequenos produtores do ponto de vista quantitativo. Os únicos grandes produtores que ainda não atingiram o pico são o Brasil e Angola.

Muitos entendem (incorrectamente) que a questão do Pico seja a quantidade absoluta de petróleo ainda remanescente no mundo. Não é. A questão crucial é, sim, a da taxa de produção possível. O mundo já atingiu a taxa máxima de produção possível e nada há a fazer quanto a isso. As pseudo soluções apregoadas pelos media, tais como os petróleos não convencionais (como o óleo de Bakker, os xistos betuminosos do Canadá, o deep offshore, o polar, os biocombustíveis líquidos, renováveis em geral, etc) não podem de modo algum colmatar o défice da produção de petróleo convencional que se avizinha.

O rácio EROEI

Na verdade, todas as soluções supletivas para colmatar o défice da produção de petróleo convencional deparam-se com um obstáculo maior e inultrapassável: o do rácio EROEI (Energy Returned On Energy Inputed). Este rácio é inexorável e implacável. Ele tem a grande vantagem de recorrer a unidades puramente físicas, pondo de lado ilusões monetárias. Para cada barril de petróleo investido na produção de petróleo obtém-se um retorno cada vez menor. Na década de 1930 obtinham-se cerca de 100 barris de petróleo por cada barril investido na sua produção. Hoje, esta proporção é muito menor e andará em torno dos 15. Em alguns casos de petróleo não convencional a proporção é ainda pior. Exemplo: a exploração dos xistos betuminosos que só resulta em cerca de três a quatro barris de produção por cada barril investido (sem falar no gigantesco desperdício de gás natural necessário à sua produção).

No entanto, o objectivo desta comunicação não é expor tecnicalidades relativas ao Pico Petrolífero e sim examinar as suas consequências económicas, sociais e políticas. Para as questões técnicas, podem-se consultar os numerosos trabalhos de Colin Campbell, Jean Laherrere, Robert Hirsch, Gail Tverberg assim como os textos da ASPO (Association for Study of Peak Oil).

Quando se fala em Pico Petrolífero toda a gente pensa imediatamente nos aspectos geopolíticos do problema. Este é, naturalmente, o aspecto mais evidente. Basta ver as sucessivas agressões imperialistas para a captura das reservas remanescentes no mundo, com as invasões do Iraque, do Afeganistão, da Líbia, as ameaças actuais à Síria e a Irão, a criação pelo governo dos Estados Unidos de um Comando para a África nas suas forças armadas, etc. As guerras predatórias por recursos são hoje notícias diárias dos jornais.

Esses são os aspectos ostensivos que estão à vista de todos. Mas há também aspectos mais subtis que se estão a verificar neste momento e cujas causas profundas são o Pico Petrolífero. Tomemos um exemplo aleatório, um dentre muitos, para ilustrar: o caso da recente Revolução Egípcia. Pode-se afirmar que teve como causa subjacente a ultrapassagem do pico. Quando a produção de petróleo do Egipto começou a declinar, os rendimentos das exportações do mesmo consequentemente começaram a diminuir. Mas estes constituíam uma fonte de receita importante do Orçamento de Estado egípcio. Grande parte benefícios sociais do seu povo (educação, saúde, etc) era assim financiada e tais benefícios começaram progressivamente a contrair-se. Portanto, teve início aí a insatisfação social, que finalmente chegou à grande revolta popular conhecida de todos. Este exemplo dá uma ideia de algo que se está a passar em muitas partes do mundo.

Entretanto, podemos e devemos generalizar indo um pouco mais além no nível de abstracção. Pode-se também afirmar que o actual endividamento generalizado – Estados, municipalidades, famílias, empresas não financeiras e financeiras – nos principais países capitalistas do mundo tem como causa profunda o início do esgotamento do petróleo no mundo pois o estancamento do crescimento prejudica a capacidade de reembolso.

Marx, no Livro III de "O Capital", explica a lei da renda diferencial de explorações mineiras. Verifica-se que o esgotamento de recursos facilmente extraíveis obriga a buscar aqueles com maior dificuldade de extracção (mais distantes, com teores de minério menores, com mais dificuldades de extracção, etc) e a renda diferencial diminui assim. Isso é válido para toda e qualquer exploração mineira – e também para o petróleo.

Neste momento os campos grandes e antigos do mundo, de extracção fácil (Gawar, Cantarell, ...), já ultrapassaram o pico e estão agora no lado direito da curva de declínio. À medida que este petróleo "velho" se esgota seria preciso substituí-lo por produção de campos novos, de menores dimensões e de extracção mais difícil. Mas a produção mundial já está estagnada há vários anos – apesar dos preços altos . Só, simplesmente, para conseguir manter no futuro os níveis de produção actuais seriam precisos investimentos cada vez mais colossais com perfurações cada vez mais profundas (deep offshore, etc), em lugares cada vez mais inóspitos (zonas polares, etc) e com rácios EROEI cada vez piores. Trata-se portanto de um problema de taxa de extracção e não da dimensão absoluta das reservas remanescentes. Tudo isso indicia um problema sistémico. Deve-se notar que nos referimos aqui a realidades puramente físicas, pondo de lado miragens monetárias.

Examinando o assunto pelo lado das reservas (e não da taxa de extracção), verifica-se ainda que países produtores tenderão a manter para si próprios o petróleo remanescente nos seus territórios. Assim, independentemente da capacidade técnica e financeira para a aumentar a taxa de produção, a quantidade disponível para exportação necessariamente diminui. O exemplo da Indonésia, país que do ponto de vista formal continua na OPEP, é significativo.

A acumulação é inerente ao modo de produção capitalista. Pela sua natureza, este modo de produção tem de criar um excedente pois é isso que garante a sua sobrevivência. O crescimento vertiginoso do século XX deveu-se basicamente à existência de um combustível abundante e barato: o petróleo (assim como a Revolução Industrial do século XIX deveu-se ao carvão). Ora, quando o petróleo começa a escassear surge um problema estrutural: o sistema começa a patinar, a girar em seco, pois não pode "crescer". Isto explica os fenómenos do endividamento e da financiarização. Endividamento porque grande parte do investimento efectuado até agora contava com o crescimento futuro a fim de gerar recursos para poder ser reembolsado. Financiarização porque capitalistas, desesperados na busca do lucro, passaram a tentar obter dinheiro a partir de dinheiro sem actividade produtiva real. Pode-se afirmar que a Crise desencadeada em 2008 tem aí a sua génese real.

O problema sistémico é que 1) as dívidas contraídas no passado contando com o crescimento futuro teriam de ser pagas; e 2) a obtenção de dinheiro a partir de dinheiro, sem a passagem pela etapa intermediária da mercadoria, não pode perdurar para todo o sempre. Em relação ao primeiro ponto, a solução é de uma evidência meridiana e inelutável: dívidas que não podem ser pagas não o serão. Os credores não gostam de tal solução e, portanto, tentam resolver o seu problema de outras formas como a escravização de países (Grécia, ...) e classes sociais devedoras (um neo-feudalismo em que estas seriam servas das suas dívidas). É o que está a acontecer em países de capitalismo "velho", como os Estados Unidos, a Europa e o Japão, agora a caminho da decadência.

Tudo conjugado, verificamos que estamos na iminência de abalos telúricos no sistema mundial. O mundo tal como o conhecemos irá mudar na nossa geração. Os breves cem anos de crescimento (populacional inclusive) proporcionados pelo petróleo estão a acabar e isso significa uma avaria insanável num modo de produção que exige a acumulação indefinida. Não existem remédios tecnológicos que possam resolver o problema. Teremos de mudar de paradigma, com uma dieta forçosa de energia. Na realidade, não é só de energia pois o caso do petróleo é apenas um aspecto particular do caso mais geral do esgotamento dos recursos planetários (urânio, minérios diversos, madeira, a própria água, ...). É preciso revisitar o estudo dos "Limites de crescimento", de 1972, tão vilipendiado por economistas vulgares.

O que fazer?

O primeiro passo para a resolução de um problema é reconhecer que ele existe. Até agora o mundo permaneceu na ignorância do problema ou, pior ainda, na negação do mesmo. Reconhecer a realidade do Pico Petrolífero e trazê-la ao debate público como a questão central do nosso tempo é uma tarefa premente e urgente. O Pico Petrolífero deveria permear todo o discurso político, todos os projectos sociais e económicos que se tem em vista – com o abandono do paradigma dos recursos infinitos. No entanto, a consciência do Pico Petrolífero continua a restrita a círculos especializados e portanto o necessário debate na sociedade ainda está longe de generalizado. Isso é também da responsabilidade daqueles que – como nós – se interessam e participam da vida social e política.

Em segundo lugar, temos de promover medidas que: 1) não agravem o problema com projectos de investimentos ruinosos moldados na ideia dos recursos infinitos (novos aeroportos, auto-estradas, ...); e 2) tendam a amenizar o problema mantendo padrões de justiça equitativa entre os países (sejam ou não produtores de petróleo) e entre as diferentes classes sociais.

Os problemas relacionados com a taxa de extracção são imediatos mas aqueles relativos ao inelutável esgotamento dos stocks existentes no planeta são a prazo mais longo (40 ou 50 anos, talvez). Quanto a este último, devemos ter em mente que há diferentes maneiras de caminhar na curva do declínio. Uma é a forma brutal da guerra por recursos e com uma repartição altamente injusta da dotação existente do ouro negro entre países e classes sociais. Outra, uma forma civilizada em que os problemas inevitáveis serão tão minimizados quanto possível.

A forma civilizada poderia ser um acordo internacional nos moldes do "Protocolo do esgotamento do petróleo", redigido pelo Dr. Collin J. Campbell (ver http://resistir.info/energia/depletion_protocol_p.html) que estabelece bases para um programa de transição (o parlamento português aprovou-o formalmente, mas ele é ignorado pelo governo). O protocolo pretende:

Impedir o aproveitamento especulativo da escassez (profiteering), de modo a que os preços do barril possam permanecer num relacionamento razoável com o custo de produção;

Permitir aos países pobres arcarem com as suas importações;

Evitar desestabilizar fluxos financeiros decorrentes de preços do petróleo excessivos;

Encorajar os consumidores a evitar o desperdício;

Estimular o desenvolvimento de energias alternativas.

Temos de nos preparar para um mundo cada vez menos energívoro. Hoje, os países que têm governos mais lúcidos já tomam medidas para facilitar a transição. A Suécia por exemplo tem um programa ambicioso para eliminar o petróleo da sua economia, com produção de biometano em grande escala. Os parlamentos da Austrália e da Grã-Bretanha fizeram comissões e estudos acerca do Pico Petrolífero e formas de minimizá-lo. Os governos do Irão e do Paquistão estimulam activamente a substituição dos refinados de petróleo nos transportes por veículos a gás natural (já existem 2,8 milhões em cada um destes países) e o da Índia faz o mesmo (já existem 1,1 milhão). A China e a Austrália já utilizam o gás natural liquefeito (GNL) na camionagem pesada. Os exemplos poderiam multiplicar-se.

Considerando que a maior parte do petróleo do mundo é consumida no sector dos transportes e é desejável reduzir o seu consumo tanto quanto possível – em benefício das gerações futuras e de utilizações imediatas mais prioritárias (fertilizantes agrícolas, agro-defensivos, plásticos, química fina, etc) – será uma boa ideia começar por substituir os refinados de petróleo no sector dos transportes. O combustível mais promissor para isso é o metano, o principal constituinte do gás natural. Nos transportes (camiões, autobuses, ferryboats, navios, etc) ele pode ser utilizado sob a forma comprimida (GNC) ou liquefeita (GNL). Ao contrário do petróleo, o gás natural também pode ter origem não fóssil: é o caso do biometano, uma energia renovável produzida a partir de resíduos e que não compete com a produção alimentar.

Caros amigos:

Durante milhares de anos a nossa espécie viveu neste planeta sem recorrer ao petróleo. O seu fim anunciado pode, portanto, não ser uma tragédia se soubermos fazer a transição. A nossa reacção terá de ser adaptativa, como sempre se deu ao longo de toda a história humana diante de abalos fora do seu controle. A verdadeira tragédia não está no fim do petróleo e sim no capitalismo. Este modo de produção e de distribuição é que impede a sustentabilidade do nosso planeta. Se não o ultrapassarmos, nesta fase do mundo pós Pico Petrolífero, teremos a intensificação da barbárie: guerras predatórias por recursos naturais, distribuição cada vez mais injusta da riqueza remanescente e todo o seu cortejo de sequelas. Mas há vários futuros possíveis. Cabe a nós lutar pelos mais justos.

[*] Comunicação apresentada no XVI Seminário Internacional "Los partidos y una nueva sociedad", 22-24/Março/2012, na Cidade do México.


Esta comunicação encontra-se em http://resistir.info/ .

Portugal a saque

Em Portugal, como consequência quer do investimento realizado no exterior quer do investimento estrangeiro em Portugal, está-se a verificar uma profunda descapitalização do país. E contrariamente à ideia que o governo PSD/CDS e os defensores do pensamento económico neoliberal dominante nos media pretendem fazer crer à opinião pública, o investimento tanto no exterior de portugueses como no pais de estrangeiros não é, na sua esmagadora maioria, investimento directo produtivo, que cria riqueza e emprego, mas sim visando obter juros, mais-valias, etc., ou seja, lucros fáceis e rápidos.

O investimento total no estrangeiro de portugueses ou de entidades com residência em Portugal atingiu, em 31/12/2011, 291.629,3 milhões €. Apenas uma parcela pequena destes activos no exterior (entre 15,4% e 18% do total) são investimento directo, ou seja, foram aplicados directamente em empresas, para criar capacidade produtiva e emprego. Uma parte muito importante (39,6%) são os chamados "investimentos de carteira", ou seja, realizado em acções e obrigações de curta e média duração visando a obtenção de ganhos financeiros rápidos. O mesmo sucede com os "Outros investimentos no exterior", que representavam 42,3% dos activos no exterior em 2011.

Situação semelhante verifica-se com o investimento estrangeiro em Portugal. Segundo o Banco de Portugal, em 31/12/2011, a divida total bruta do país ao estrangeiro, resultante destes investimentos, atingia 468.826,8 milhões €. Deste total, apenas 18% era investimento directo em Portugal (aquele que é referido na propaganda oficial sobre investimento estrangeiro), ou seja tendo como objectivo directo aumentar a capacidade produtiva e o emprego. Tudo o resto, na sua esmagadora maioria, eram aplicações financeiras que visavam obtenção de juros, mais-valias, etc, ou seja, aplicações que visavam arrecadar lucros rápidos e elevados. Como consequência, em apenas seis anos (2006/2011), foram transferidos para o estrangeiro 111.461 milhões € de rendimentos gerados em Portugal, sendo 20,3%, ou seja, 22.681 milhões de euros, referentes a dividendos e lucros distribuídos, na sua maioria de investimentos directos. Os restantes 79,3%, ou seja, 88.780 milhões de euros de rendimentos resultaram, na sua maioria, de aplicações financeiras, para não dizer mesmo especulativas. Aqueles 111.461 milhões € de rendimentos, embora gerados em Portugal, não foram investidos internamente para criar riqueza e emprego, mas sim transferidos directamente para o estrangeiro, a maioria não pagando quaisquer impostos em Portugal. Isto significa a descapitalização do país em larga escala que se agravará no futuro com a política de privatizações a saldo levada a cabo pelo governo PSD/CDS com o apoio da "troika estrangeira".

O caso do BPN, vendido ao grupo bancário BIC, dominado por angolanos, por 40 milhões € tendo o Estado Português capitalizado antes com mais de 500 milhões € e dado um crédito sem juros de 300 milhões €, o que levou a Comissão Europeia a intervir, e o caso da EDP vendida a um grupo chinês que agora, pelo que veio a público, pensa-se que o governo se comprometeu a manter as "rendas excessivas", que contribuíram para que a EDP tivesse, em 2011, 1125 milhões € de lucros líquidos (os maiores de sempre), pagas pelos consumidores, mostra bem a politica de privatizações a saldo que um governo sem sentido nacional, sem competência técnica e sem experiencia, e cego pelo ideologia neoliberal está a fazer sob o comando da "troika estrangeira", entregando a grupos económicos estrangeiros – até porque os "nacionais" estão sem liquidez para comprar – instrumentos importantes do Estado para promover o desenvolvimento e fonte de receitas para OE que será depois substituída por mais impostos.

O PIB (Produto Interno Bruto) corresponde ao valor da riqueza criada anualmente no país. O RNB (Rendimento Nacional Bruto) corresponde à riqueza que, em cada ano, fica no país, e que é repartida, embora de uma forma cada vez mais desigual, em Portugal. Em 1995, o PIB era superior ao RNB em 175,9 milhões €, portanto Portugal recebia mais do estrangeiro do que transferia para o exterior. Em 1996, com a entrada na União Europeia, a situação inverteu-se e Portugal começou a transferir para o exterior mais do que recebe do exterior, situação que se agravou com a entrada para a Zona do Euro, o que determinou que, em 2011, Portugal tenha transferido para o exterior mais 6.083,5 milhões € do que recebeu do estrangeiro, o que provocou que o valor do PIB (o que se produziu nesse ano) tenha atingido 171.112 milhões €, mas o valor do RNB (o que ficou em Portugal) tenha sido apenas de 165.028,5 milhões €. Em 2011, da riqueza criada por cada português com emprego, 1.251 € foram transferidos para o estrangeiro apenas para cobrir este saldo negativo. Eis uma outra consequência da politica que tem sido seguida em Portugal, agravada ainda mais pela terapia de choque imposta pela "troika estrangeira" e pelo governo PSD/CDS, que tem sido escondida quer por estes "senhores" quer ainda pelos defensores do pensamento económico neoliberal dominante nos media em Portugal.


http://www.eugeniorosa.com/

O jornalismo falhou

A imprensa económica seguiu em frente e esqueceu a crise e as suas causas demasiado depressa. Essa rapidez faz com que hoje, quer na Europa, quer nos EUA, se falem das actuais dificuldades como se fossem um fenómeno novo, que apareceu do nada, ignorando que tudo foi criado pela maior crise financeira da história. A imprensa generalista também podia ter feito melhor. Fez um trabalho fraco a expor a narrativa completa e o contexto necessário para perceber o que se passa hoje nos EUA, e nas ruas da Europa, na Grécia, em Portugal, em Espanha. O jornalismo ocidental revela sinais preocupantes de incapacidade de diagnosticar as causas responsáveis pela crise. O jornalismo tem sido desapontadamente reactivo e tem permitido à elite política e mediática que marque a agenda.


As palavras são do jornalista americano Dean Starkman e vêm citadas num interessante trabalho dos jornalistas Rui Peres Jorge e Filipe Pacheco na edição de fim de semana do Jornal de Negócios.

Como se lê no texto, em áreas técnicas como a económica, os jornalistas têm uma responsabilidade acrescida na construção de interpretações sobre a realidade e no questionamento das narrativas dominantes. Na actualidade, o trabalho jornalístico tem uma influência enorme no próprio trabalho académico na área da economia.

Nesta era de crises cujas causas fundamentais são demasiadas vezes esquecidas, não é apenas a profissão de economista que deve questionar o seu trabalho e as suas consequências políticas e sociais.

retirado do blog: ladrões de bicicletas

Publicação em destaque

Marionetas russas

por Serge Halimi A 9 de Fevereiro de 1950, no auge da Guerra Fria, um senador republicano ainda desconhecido exclama o seguinte: «Tenh...